A ausência de referências negras no ensino da história do Brasil é o ponto de partida de "Quebrando Paradigmas", novo espetáculo da Confraria do Impossível, que estreia nesta quinta-feira (8) no Teatro Correios Léa Garcia.
Ao unir teatro, música e poesia, a peça propõe uma reflexão sobre identidade, pertencimento e memória ancestral a partir da trajetória de um jovem negro de 23 anos que cresceu ao lado de uma comunidade periférica. O personagem é interpretado por Lucas Popeta, que também assina o texto e é responsável pela idealização do projeto.
A montagem marca os 15 anos da Confraria do Impossível, grupo carioca que se dedica a criar, preservar e promover narrativas negras no teatro brasileiro. Com direção de Gizelly de Paula, "Quebrando Paradigmas" é também uma homenagem aos 80 anos do Teatro Experimental do Negro, fundado por Abdias Nascimento em 1944, referência fundamental na luta antirracista e na valorização de artistas negros no país.
A proposta do espetáculo é simples e poderosa: revisitar a história do Brasil a partir do olhar de quem foi sistematicamente apagado dela. No palco, a jornada do protagonista se transforma em metáfora para um processo coletivo de reconhecimento e reconstrução de identidade. "Esse é um país construído por pessoas que a gente desconhece. Sendo assim, ao trazer narrativas em que negras e negros são protagonistas, nós estamos criando novos pensamentos", afirma Popeta.
Ao longo da peça, o personagem se depara com figuras e acontecimentos fundamentais que ficaram à margem dos livros escolares e da memória oficial. São nomes, vozes e corpos que moldaram a cultura brasileira, mas cujas histórias foram silenciadas por séculos de racismo estrutural. "Ainda que silenciadas no passado, essas vozes deixaram suas marcas, e é por isso que estamos em cena hoje. Evocar essas vozes nos permite caminhar mais livres, pois a ancestralidade nos aponta o caminho adiante. Nunca é para o agora; é sempre para o futuro", destaca Gizelly de Paula.
A diretora define "Quebrando Paradigmas" como um espetáculo que convida o público a ampliar suas perspectivas sobre si e sobre o mundo. "A peça é sobre expansão. Quando desconstruímos, questionamos e ampliamos nossos horizontes, abrimos espaço para novas formas de ver e viver. E é justamente nesse gesto que reside a quebra de paradigmas que propomos", explica.
Com um texto poético e político, o espetáculo evita didatismos e investe na emoção para gerar reflexão. A encenação privilegia a escuta e o corpo, criando uma atmosfera íntima e potente em que o público é chamado a partilhar da experiência do protagonista. A trilha sonora original e os elementos visuais dialogam com o tema da ancestralidade, evocando tanto a resistência quanto a beleza da cultura negra.
A linha do tempo proposta pelo espetáculo é também uma resposta simbólica a séculos de apagamento histórico. "A peça traz à tona uma linha do tempo que foi esvaziada, mas que agora começa a ser preenchida. É uma forma de ocupar espaços, não só físicos, mas também simbólicos, com nossa presença e nossas histórias", diz Lucas Popeta. Para ele, a criação artística tem o poder de transformar não apenas o indivíduo, mas toda uma comunidade. "Quando a gente se reconhece na história, a gente se fortalece. E quando nos fortalecemos, conseguimos transformar o nosso entorno."
Ao completar 15 anos de trajetória, a Confraria do Impossível reafirma seu compromisso com o teatro como ferramenta de consciência e resistência. O grupo surgiu com o propósito de ampliar o protagonismo negro nos palcos e vem construindo uma linguagem própria, que mistura arte, política e espiritualidade. "Celebrar esses 15 anos com um espetáculo como este, que se conecta com o passado e aponta para o futuro, é muito simbólico. É uma forma de reafirmar que estamos aqui, seguimos criando e seguimos ocupando", conclui Popeta.
SERVIÇO
QUEBRANDO PARADIGMAS
Teatro Correios Léa Garcia (Rua Visconde de Itaboraí, 20 - Centro)
De 8 a 31/5, de quinta a sábado (19h)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia)