Saura para sempre
Mubi resgata 'Tango', um dos sucessos do artesão autoral espanhol, que completaria 70 anos de cinema em 2025, mas permanece vivo com livro de memórias e inclusão em streamings
Indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, depois de conquistar a láurea de Melhor Contribuição Técnica (dada à fotografia de Vittorio Storaro) no Festival de Cannes, "Tango" (1998) ganha nova ribalta a partir desta semana numa vitrine perfeita para sua exuberância visual: a grade da MUBI. Esse cult com Miguel Ángel Solá e Cecilia Narova é centrado na expressão de dança que virou um signo cultural da Argentina.
Sua chegada ao www.mubi.com coincide com a celebração póstuma das sete décadas de estreia de seu realizador, o espanhol Carlos Saura (1932-2023), na direção. "La Llamada", um curta de 1955, fez dele um realizador, aliás, um diretor que levou pouco tempo para se firmar como um dos cineastas de maior sucesso de público e crítica do Velho Mundo, coroado com o Urso de Ouro da Berlinale, em 1981, por "Depressa, Depressa". Ganhou ainda o Prêmio Especial do Júri de San Sebastián por "Mamãe Faz Cem Anos" (1979), além de 63 outras láureas. A efeméride amplia a visibilidade de seu livro de memórias publicado após sua morte: "De Imágenes También Se Vive" (Editora Taurus). Ele morreu deixando o texto quase acabado, fazendo um retrospecto da Europa que clamou por um cinema moderno a partir do fim dos anos 1950.
Um dos primeiros longas do cineasta, "A Caça", premiado no Festival de Berlim de 1966, acaba de ser refilmado na Espanha, sob a direção de Pedro Aguiler. A nova versão, chamada "Día de Caza", estreia em outubro. Nela, três amigos reúnem-se para uma caçada a coelhos. O reencontro toma um rumo sombrio, com os eventos sangrentos simbolizando a ditadura de Francisco Franco (1892-1975) na Espanha.
Artesão autoral nascido em solo aragonês, Saura morreu no dia 10 de fevereiro de 2023, aos 91 anos, deixando projetos inacabados (longas sobre a vida de Bach e de Picasso). Dono de uma obra que encantou o planeta, com destaque para "Cría Cuervos" (Grande Prêmio do Júri em Cannes, em 1976), Saura não parava de trabalhar. Em 2021 abriu o Festival de San Sebastián, em seu país natal, com o curta-metragem "Rosa Rosae. La Guerra Civil" (lançado aqui pela MUBI) e ainda levou ao Festival do Cairo, no Egito, o longa "El Rey De Todo El Mundo", misturando dança e cinema, em forma de musical. Esse experimento acaba de entrar na Prime Vídeo, da Amazon.
Trata-se de um musical de elementos documentais sobre a conexão cultural entre o México e os espanhóis que o colonizaram, sem ignorar violências históricas do imperialismo. Ana de la Reguera e Manuel Garcia-Rulfo são bailarinos que contam uma história de casal atropelado por opressões paternas e pela máfia local.
Seu canto de cisne é o documentário "As Paredes Falam" ("Las Paredes Hablan"). Exibido na Berlinale e projetado no Festival do Rio, esse .doc de 75 minutos se debruça sobre o mundo da arte, retratando a relação entre a criação pictórica (pintura, grafite, desenho) e o espaço do muro (ou da pedra, no caso das cavernas) como tela. Por isso, flana das primeiras expressões gráficas na pré-História até as vanguardas, dando um pulo até as inquietas manifestações poéticas das periferias contemporâneas. Ele dirige e "atua", participando da narrativa como um investigador. O filme foi rodado em 14 locais, como as grutas de Puente Viesgo e Altamira, na Cantábria, com uma passada pelo sítio arqueológico Atapuerca, em Burgos. Saura não se esqueceu das ruas coloridas de Barcelona, nem dos bairros grafitados de Madri.
A cinefilia mundial também não se esquece de Saura.
