Depois de subir a temperatura de um geladíssimo inverno alemão, em meio à competição pelo Urso de Ouro na Berlinale, em fevereiro, "Hot Milk" chega às telas neste fim de semana numa ação da plataforma Mubi (em conjunto com a distribuidora O2 Play) para perfumar o circuito nacional de provocação. Seu lançamento vem firmar, na telona, uma grife que, no âmbito do streaming, é sinônimo de refinamento. De tempos em tempos, o filé do www.mubi.com passa em salas de projeção, antes de encontrar pouso na web, o que assegurou a vinda ao Brasil de experimentos como "Annette", de Leos Carax, em 2021.
É a dramaturga britânica Rebecca Lenkiewicz quem assina a direção desse atual lançamento de uma marca que é conhecida por sua curadoria humanizada. Em sua estreia por trás das câmeras, a autora da peça "Her Naked Skin" (2008) carrega para os sets o que aprendeu escrevendo roteiros para sucessos como "Desobediência" (2017) e "Ida" (2013). Um livro homônimo de Deborah Levy (romancista sul-africana conhecida por "A Posição Das Colheres E Outras Intimidades") é a argamassa do trabalho de Rebecca, que nos leva ao sul de Espanha para falar de maternidade e finitude.
"Na gênese do processo, pensei que poderia adaptar esse livro se pudesse dirigi-lo, atraída pela complexidade das emoções. Podia sentir o que se passa ali", disse Rebecca à Berlinale, antes de explicar ao Correio da Manhã um dos vértices da produção: a luta pela sobrevivência de quem se encontra à margem do fim, como é o caso de Rose, vivida pela atriz Fiona Shaw em um tocante desempenho. "Rose é vida e morte, mas nem sempre há escolhas sobre o fim".
Ao lado de Rebecca na coletiva de Berlim, Fiona cravou: "As pessoas que vemos nesse filme estão tentando e fracassado, mas fracassam melhor", brincou a atriz. "Estão todos cheios de vitalidade".
Ambientado num suarento verão espanhol, "Hot Milk" acompanha a cruzada de Rose a fim de dar cabo de sua enfermidade, arrastando sua filha, Sofia (Emma Mackey), numa jornada pela cidade de Almería onde vai consultar o Dr. Gómez (Vincent Perez), um curandeiro que pode ter a chave para sua misteriosa doença. Naquele ensolarado Éden ibérico, Sofia se liberta de suas inibições ao se encantar pelo magnetismo de Ingrid (Vicky Krieps), uma amazona que esbanja lascívia no trato com mulheres e homens. O envolvimento da jovem com uma figura mais experiente e liberada rompe os laços da moça com a mãe, o que faz ferver ressentimentos e amarguras reprimidas. Nesse momento, a condição de Rose se deteriora.
"Existe muita conversa hoje em voga sobre morte assistida, sobre um fim digno, por escolha. A morte poderia oferecer uma escolha, se fosse um caso crônico ou que envolvesse cuidados paliativos", disse Rebecca ao Correio em terras germânicas.
Antes da filmagem, Vincent Pérez, que foi um divo pop nos anos 1990, explicou ao Correio o que existe por trás de Gómez: "As pessoas perderam a habilidade e a generosidade de saber ouvir neste mundo tão lotado de imagens e de informações, em que o sentido por trás de uma cena merecia ser melhor pensado e vivenciado", disse o astro, num jardim de Marrakech.
Em julho, a Mubi estreia com exclusividade "Magic Farm", nova comédia de Amalia Ulman ("El Planeta"), na qual uma equipe desastrada de documentaristas aterrissa por engano em um vilarejo rural argentino em busca de uma história viral. Chloë Sevigny, Alex Wolff e Simon Rex estão no elenco. Ainda este mês, a plataforma traz ao país "Tóxico" ("Akipleša"), de Saule Bliuvaite, lá da Lituânia. O ganhador do Leopardo de Ouro do Festival de Locarno de 2024 gravita entre a perplexidade e a sororidade. Abandonada pela mãe, Maria, de 13 anos, é obrigada a viver com a avó numa cidade industrial deprimente. Durante um confronto violento na rua, ela conhece a aspirante a modelo Kristina. Buscando se aproximar dela, Maria se inscreve numa escola misteriosa que prepara meninas para o principal evento da região. A relação ambígua com Kristina e o ambiente intenso, com ares de culto, da instituição empurram Maria para um processo de autodescoberta - e de implosão.