'Depois de horas'..., vem a grade da Prime Video

Quase quatro décadas depois de sua passagem por Cannes, o cult oitentista de Martin Scorsese com Griffin Dunne retorna aos holofotes, ao entrar na grade da plataforma digital da Amazon

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Griffin Dune afirma que 'After Hours' (Depois de Horas) foi o trabalho que abriu lhe abriu as portas do mundo: 'Na minha relação com a comédia, este foi o filme acabou me associando a um arquétipo do sujeito atrapalhado em situação de risco'

Prestes a lançar o documentário "Life Is a Carnival: A Musical Celebration of Robbie Robertson", Martin Scorsese enfrentava maus bocados profissionais em sua carreira, decorrentes do fiasco de "O Rei da Comédia" (1982), purgando sua fase de vacas magras numa crise de asma sem fim, quando seu advogado, Jay Julien, sugeriu que ele embarcasse num projeto chamado "One Night in Soho". Era um roteiro de Joseph Minion, para ser filmado baratinho, em Nova York, centrado nos perrengues enfrentados por um sujeito que decide ir atrás de uma mulher com quem esbarrou num bar.

Há 40 anos, essa proposta saiu do papel, ao custo de US$ 4,5 milhões e muitas boas sacadas de câmera, nos enquadramentos. O título ficou outro: "After Hours", que passou aqui traduzido (literalmente) como "Depois de Horas". Teve exibição até na Globo, na "Tela Quente", com seu ator principal, Griffin Dunne, dublado por Selton Mello.

Em sua estreia, em 1985, a produção faturou uma bolada, concorreu à Palma de Ouro e ainda rendeu o prêmio de Melhor Direção a Scorsese em Cannes. Quatro décadas depois, esse cult volta ao Brasil via streaming, disponível para aluguel ou aquisição na Prime Video da Amazon.

Há uns dois anos, "Ex-Husbands", êxito mais recente de Dunne, disputou a Concha de Ouro do Festival de San Sebastián, assegurando novos holofotes ao astro, que ficou mais conhecido em Hollywood por seu trabalho como produtor. Vítima da lua cheia no terror "Um Lobisomem Americano Em Londres" (1981) e alvo das estripulias pop de Madonna em "Quem É Esta Garota" (1987), o nova-iorquino de 69 anos começou a fazer cinema em 1975, interpretando e dividindo sua agenda com trabalhos como cineasta. Até indicação ao Oscar de Melhor Curta-Metragem ele tem no currículo, uma vez que concorreu a uma estatueta em 1996, com o filme "Descobertas". A pluralidade de sua obra é inegável. Mas é pelo sucesso de público e crítico de Scorsese que ele é lembrado.

"Foi o filme que abriu as portas do mundo para mim", disse o ator ao Correio da Manhã em San Sebastián, na Espanha. "Na época em que fez a sua primeira exibição mundial, em Cannes, em 1985, tava rolando o boato de uma ameaça de bombas e os artistas americanos todos cancelaram sua ida. Stallone e Schwarzenegger não viajavam, mas eu, que produzi o filme, sim, o que fez jornais como o 'Le Monde' me chamarem de 'O Ator Mais Corajoso da América'. Por outro lado, na minha relação com a comédia, o filme acabou me associando a um arquétipo do atrapalhado em situação de risco".

De acordo com a boataria positiva que voltou a cercar seu nome em San Sebastián, Dunne pode ter emplacado uma nova performance icônica a julgar pela badalação acalorada em torno de seu desempenho em "Ex-Husbands". No filme de Noah Pritzker, ele vive o Dr. Peter, um dentista de NY em processo de separação da mulher com quem viveu por 35 anos - papel confiado a Rosanna Arquette, sua parceira no longa de Scorsese. Em busca de sossego, ele embarca numa viagem para um resort no México sem saber que seus filhos vão estar lá.

De certa forma, a saga do dentista Peter retratada em "Ex-Husbands" fala sobre a arte de envelhecer. Dunne vem sido bem-sucedido nela. "O maior barato de fazer carreira como ator é que, numa época, você vai sempre interpretar filhos e, em outra, passa a viver pais ou avôs. Antes, em tramas de tribunal, os estúdios me chamavam para viver advogados e, hoje em dia, já me escalam para viver juízes. O especial no processo de 'Ex-Husbands' é que é cada vez mais difícil ter papéis bons para atores da minha idade", disse o ator. "Notei que produzir ia facilitar as minhas chances de ser escalado, pois, se eu produzo, posso arrumar um papel para mim. Mas quando estou atuando, eu meio que tiro férias das responsabilidades que tenho quando estou num projeto como cineasta ou trabalhando na produção. Tendo um diretor como Noah, eu só me deixo guiar pelo roteiro e busco espaços para expressar o que há na essência do meu personagem. Não fico pensando se o filme vai estar num festival como o de Cannes ou se será aplaudido".

Seu maior desafio em "Ex-Husbands" é encarar a patrulha que hoje cerceia o riso. "Nunca foi fácil ser engraçado e eu fico nervoso só em ter que formular sobre fazer comédia. Mas eu tenho visto que os shows dos comediantes andam cheios. O público está lá. Acredito que sempre vai haver lugar na arte para a irreverência, ela só tem que se acomodar às transformações", diz Dunne. "As tensões do nosso tempo hão de se acomodar".

Há um ano, "Depois de Horas" teve uma sessão retrospectiva em Cannes... e mobilizou multidões. Agora é a vez de o filme testar sua sorte na streaminguesfera.