Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Nem o Céu é limite pra 'Oppenheimer'

Oppenheimer | Foto: Divulgação

Visto por três milhões de pagantes no Brasil, depois de faturar US$ 949 milhões nas bilheterias internacionais, "Oppenheimer" tem estreia marcada no streaming para o próximo dia 23, com passaporte carimbado - e pré-venda já ativa hoje - na Apple TV, encontrando-se disponível exclusivamente para aluguel ou compra. Vai poder ser acessado por uma merreca na Amazon Prime Video Store, na Google Play e na YouTube Filmes.

Terceira maior arrecadação de Hollywood em 2023, atrás apenas de "Barbie" (a primeirona da fila, com US$ 1.441.717.724,00 de lucro) e de "Super Mario Bros. Movie" (US$ 1,3 bilhão de receita). Sua arrecadação invejável catapulta o longa-metragem de Nolan como um dos títulos mais cotados para o Oscar 2024, que anuncia seus indicados no dia 23 de janeiro e realiza sua cerimônia de premiação em 10 de março.

Estima-se que Robert Downey Jr. seja um dos destaques do filme a ser laureado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Eternizado no imaginário pop como Tony Stark, o Homem de Ferro, no momento de exorcismo do fantasma da dependência química, Downey Jr. é o hidrogênio que areja a atmosfera plúmbea de um filme construído para "ser pra sempre".

Uma postagem na internet do cineasta Paul Schrader, diretor de "Fé Corrompida" (2017) "A Marca da Pantera" (1982) e roteirista de "Taxi Driver" (1976), resume tudo o que o Nolan conseguiu sintetizar ao longo de três horas de pura excelência. Schrader disse: "É o melhor, o mais importante filme deste século". O superlativo impressiona e até espanta, não só por soar prematura, mas por ter sido emitido por um criador sábio, extremamente avesso a (quase) tudo o que a indústria hollywoodiana produz.

O que justifica sua fala seja justamente o fato de Nolan NÃO ser aquilo que os estúdios cismam em produzir e, sim, um diretor autor que dirige narrativas personalíssimas, de teor filosófico, em forma de espetáculo, como é o caso do estonteante "Oppenheimer". Basta dois diálogos para que toda sua força dramatúrgica fique evidente: a) "Genialidade não garante sabedoria"; b) "Vocês procuram o sol, só que o Poder reside nas sombras". Essa joia aí ao lado é dita pelo almirante Lewis Strauss, intelectual autodidata que busca exterminar a reputação do físico J. Robert Oppenheimer depois de sugar dele aquilo de que a América necessitava em meio à II Guerra: a criação de uma arma nuclear suprema. O jogo de sedução mefistofélico, mais tarde convertido em caça às bruxas, empreendido por Lewis pode dar a Downey Jr. o Oscar que há décadas ele merece. O filme é quaaaase dele, mas em seu caminho há uma pedra (preciosa) que se chama Cillian Murphy, mas evoca Burt Lancaster... e bem aquele Burt Lancaster de "O Leopardo" (1963). É Cillian quem encarna o gênio científico por trás da bomba mais assustadora de que a Humanidade tem notícia.

Estruturado na aparência como se fosse uma aula de geopolítica sobre a corrida nuclear, o filme carrega toda a assinatura formal e filosófica do realizador despontou aos olhos da crítica com "Amnésia", em 2000 e virou objeto de culto (e também de ódio) com a trilogia "Batman" (2005-2012). Tal assinatura se faz viva: 1) no fascínio em relação a episódios que mudaram a História, como visto em "Dunkirk" (2017); 2) o interesse pela gênese do mal e sua banalidade, como visto em "Insônia" (2002); 3) o encanto pela dimensão humanista da Ciência, o que foi o alimento de seu trabalho mais incensado - e ao mesmo tempo, mais incompreendido - que é "Interestelar" (2014); e 4) o interesse em fazer uma autopsia em corpo vivo das cicatrizes da Guerra Fria, como visto em "Tenet" (2020).

Assombrado por uma implicância rastaquera de parte da crítica de que seus roteiros são por demais explicadinhos (#sqn), Nolan trouxe o sueco Ludwig Göransson para compor a trilha e convocou seu habitual colaborador, o suíço Hoyte Van Hoytema, para assinar a direção de fotografia, alternando um colorido retinto e um preto & branco em tons de chumbo. Com o suporte deles, o diretor (egresso de uma formação em literatura e irmão do escritor Jonathan Nolan) revirou as páginas de "Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano, de Kai Bird e Martin J. Sherwin, grifando passagens mais próximas da ontologia e do existencialismo que da lógica matemática.

Estimava-se que "Oppenheimer" fosse beber de "Dr. Fantástico" (1964), comédia de Stanley sobre a histeria provocada pela fissão do átomo. Contudo, seu novo filme não carrega a dita "perplexidade" kubrickiana, ou sua habilidade de ser asséptico na recriação do horror. Existe algo do cinema de "modernidade tardia" de John Frankenheimer ("Sete Dias de Maio" e "Sob o Domínio do Mal") em sua austeridade. E há uma reverência a um certo cinema inglês de outrora, sobretudo o de Carol Reed ("O 3° Homem"), na construção da atmosfera de crescente paranoia de uma biopic (épico biográfico) que gravita entre o processo de feitura da bomba atômica e o cerco ao passado de simpatizante comunista de Oppenheimer. Cillian, que brilhou há 20 anos no "28 Dias" de Danny Boyle constrói o personagem a partir de silêncios pesarosos, de movimentos elegantes, cheios de retidão. Sua troca com a atriz Florence Pugh - notável no papel da ativista de esquerda Jean Tatlock - é de uma harmonia plena, permitindo sequências eróticas incomuns à patrulha ideológica de hoje. Num elenco em que Downey Jr. esbanja maturidade como o titereiro dos anseios militares dos EUA, destaca-se a presença de Tom Conti (o Mr. Lawrence de "Furyo: Em Nome da Honra") como Albert Einstein.

 

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