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Interlúdio hitchcockiano na MUBI

'Mulher de um Espião' tem a elegância e dinâmica de tensão próximas da estética de Alfred Hitchcock | Foto: Divulgação MUBI

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Atenta a pulsões autorais, a MUBI incluiu em sua grade um thriller de espionagem imperdível, que ampliou o prestígio de Kiyoshi Kurosawa: "Wife of a Spy". O título aqui é a tradução literal: "A Mulher de um Espião".

E vai ter muita gente se surpreendendo com ele, uma vez que sua elegância e sua dinâmica de tensão, ambas próximas da estética de Alfred Hitchcock (1899-1980), destoam do estilo quase gore (sangue e tripas) dos filmes que consagraram o realizador japonês nascido em Kobe, há 66 anos, como "A Cura" (1997), "Crimes Obscuros" (2006) e "Creepy" (2016). Kiyoshi (que não é parente do diretor Akira Kurosawa, apesar do que o sobrenome possa sugerir) ganhou o prêmio mais prestigiado de sua carreira com essa frenética produção, que chega neste fim de semana ao Brasil: a láurea de melhor direção no Festival de Veneza de 2020. Seu filme revive a II Guerra pela ótica de uma célula de dissidentes que se opôs a participação do Japão ao lado do Eixo e brigou pelo desligamento do país do conflito. E o faz sob a perspectiva de uma mulher aguerrida, que luta por seus ideais em nome de sua pátria e em nome do amor.

É um filme protagonizado por uma heroína clássica: Satoko Fukuhara, personagem vivida estonteantemente por Yu Aoi, numa interpretação que escorre inteligência. No longa, ambientado em 1940, o marido de Satoko, o comerciante Yusaku Fukuhara (Issey Takahashi), viaja pra Manchúria momentos antes de um levante de Hitler e de Mussolini pela Europa, que viria a respingar na Ásia. Sua mulher fica em casa, guardando a propriedade e os negócios do clã. Mas, em sua jornada Yusaku traz evidências (em forma de película) de um crime bárbaro do Eixo: o teste químico de uma doença similar à peste negra em presos políticos. Com a prova dessa barbárie em mãos, ele decide denunciá-lo, o que gera o desdém de outros mercadores e da aristocracia nipônica. Mas Satoko entende a importância da missão de seu amado e fará de tudo para que a verdade venha à tona, criado os mais variados estratagemas para isso. Num diálogo, ele diz: "Eu não sou espião". E ela retruca: "Se vier a ser, eu serei mulher de espião", deixando claro não só o seu companheirismo, mas sua resiliência. Yu Aoi faz dela uma valquíria que jamais abre mão das suas convicções. Aliás, nem Kiyoshi, que enquadra esse enredo como se estivesse dirigindo filme de terror, dando a cada plano um coeficiente de arrepio, como se estivesse conduzindo Satoko a um precipício, a um pesadelo sem fim. O terço inicial se arrasta a passos de cágado, porém, passados uns 30 minutos, cada movimento parece conduzir a um susto, a um assombro. E a delicada fotografia, em tons pasteis, colabora para plantar o tom crescente de angústia.

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