Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Debruçada sobre as páginas de um novo roteiro, para filmar nos próximos meses, a cineasta francesa Claire Denis, de 77 anos, viveu um 2022 mágico, depois de ser contemplada com o Urso de Prata de Melhor Direção na Berlinale por "Com Amor e Fúria" (já lançado aqui) e ao receber o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes por uma joia que acaba de chegar ao país via streaming. "Stars at Noon" hoje já pode ser alugado na Amazon Prime.
Inédito em circuito aqui, o longa-metragem também está disponível na Apple TV, no Youtube Movies, na Claro TV e no Vivo Play. Idealizado pra telonas, consagrado no Palais des Festivals da Croisette, acabou indo pra telinha, consagrando um veio estético dos mais caudalosos do audiovisual.
"Fazer cinema é um processo penoso e não gosto que me apressem", disse a cineasta em Cannes, ao explicar ao Correio da Manhã o método como trabalha. "O que eu busco num filme é o extraordinário que existe em cada expressão, tentando entender as emoções por trás de cada gesto, cada olhar".
Cultuada por "Nenette e Boni" (Leopardo de Ouro no Festival de Locarno, em 1996), "Bom Trabalho" (1999), "High Life" (2018) e outras pérolas, Claire foi rodar "Stars at Noon" no Panamá, embora a trama que se passe entre lá e a Nicarágua dos dias de hoje, apesar das várias referência ao tempo da revolução sandinista, entre os anos 1980 e 1990. A base do longa foi o romance homônimo de Denis Johnson, que a cineasta devorou há uns treze anos. Margareth Qualley (a protagonista da série 'Maid') é a protagonista. "Eu queria filmar com Robert Pattinson, a quem admiro muito e com quem fiz 'High Life'. Ele queria também e estava tudo certo, até que ele ficou preso nos compromissos com o novo 'Batman', e com atrasos ligados à covid-19. Aí eu consegui Joe Alwyn, que é um ator magnífico também", conta Claire. Freelancer sem página em branco ou post pra preencher, Trish, a personagem de Qualley em "Stars at Noon" vive mal do Jornalismo, em especial no canteiro da Nicarágua, vetorizado por dilemas políticos da Costa Rica, pra onde escolheu viajar. A viagem partiu de um princípio de indisfarçável xenofobia: "Eu queria ver o tamanho que o Inferno pode ter, por isso vim".
Sob a bela da fotografia de Éric Gautier, vemos Trish penar.
Existe a luta por dinheiro, que arrasta a repórter por mil armações e a um papo (genial) via Zoom com um editor, interpretado por John C. Reilly - em rápida e impagável participação. Existe a CIA, que zumbe feito mosca sobre a carniça das finanças costa-ricenses (boa parte da ação do longa se refere à Costa Rica, apesar de se fincar na Nicarágua). Existem autoridades querendo saber por qual motivo Trish ainda não voltou pra casa, na América. Cabe ao diretor e ator Bennie Safdie dar vida ao agente que investiga as ações de Trish. Há ainda uma dona de hotel que zanga sempre que a americana pede para usar o telefone. E existe a pandemia. Mas, apesar de tudo isso, o encontro com um inglês de fino trato, Daniel (Joe Alwyn), sacoleja a vida e o coração da jornalista.
"Foi uma experiência riquissima filmar na América Latina e conhecer uma série de bons atores e atrizes cheios de desejo para participar da nossa história. Tenho parentes no Brasil, o que me aproxima das Américas, e tenho um passado de vivência familiar em outros continentes o que me leva a olhar a realidade não pela estranheza, mas pela empatia. O que passamos no período da covid-19, na pandemia, foi assustador, pois isolou as pessoas separou convívios. Esses filmes que fiz mais recentemente têm reações ao que vivemos", disse Claire ao Correio em Cannes. "Fomos fomos privados de muita coisa com a pandemia. Eu fiquei em casa, lendo, cozinhando, ouvindo música. Mas muita gente não teve essa facilidade. Foi difícil sobreviver. Ainda é".
Recentemente, a MUBI lançou em sua plataforma um dos melhores filmes de Claire: "Deixe a Luz Do Seu Entrar" (2017). A trama narra as peripécias amorosas de Isabelle (papel de Binoche), uma artista parisiense atrás do amor verdadeiro ao fim de um casamento infeliz. Uma série de encontros e desencontros emotivos vai dar um tônus de derrota em sua procura pelo querer, envolvendo diferentes homens vividos por atores como Xavier Beauvois e Alex Descas. "A vivência do amor não é estável", disse Claire. "Ele nos cerca de formas novas, sem rótulos".