Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Mulher-Maravilha em muitos quadrados

Enquanto o mercado editorial se aquece com foco nas aventuras antissexistas da Princesa das Amazonas, a TV aberta brasileira tem um encontro marcado, esta noite com a mais aclamada das super-heroínas sendo vivida pelaisraelense Gal Gadot | Foto: Divulgação

Em pleno apagar das luzes de 2023, a Panini Comics anunciou a publicação de um tijolaço com a saga de reinvenção da Mulher-Maravilha escrita por George Pérez (1954-2022), quadrinista nova-iorquino de origem porto-riquenha que reinventou a personagem - e outros tantos - com sua mirada antissexista. Para janeiro, a editora promete o lançamento do especial "Evolução", no qual a heroína combate alienígenas, num jogo mortífero, idealizada por uma equipe de artistas que reúne Mike Hawthorne, Stefano Raffaele e Stephanie Phillips.

Está marcada para março a chegada ao Brasil de "A Saga da Mulher-Maravilha", que revê tramas revolucionárias escritas e desenhadas por John Byrne (de "Tropa Alfa").

Mas enquanto o mercado editorial se aquece com foco nas aventuras antissexistas da Princesa das Amazonas, a TV aberta brasileira tem um encontro marcado, esta noite, às 22h25, na grade da Globo, com a mais aclamada das super-heroínas.

Logo após a novela "Terra e Paixão, a emissora carioca exibe "Wonder Woman 1984", um dos títulos de maior destaque do primeiro ano da pandemia, 2020, que sofreu o impacto da covid-19 em suas plateias. Apesar disso, o Tempo refez a relevância da produção, que chega hoje ao canal de televisão de maior popularidade do país, em versão dublada. Flávia Saddy é a voz dela em versão brasileira.

Com uma bilheteria de US$ 169 milhões no currículo, "Mulher-Maravilha 1984" é uma finíssima alegoria política em sua reflexão sobre a gênese de figuras como Donald Trump: magnatas que encontram no exercício do Poder uma satisfação de sua libido de comando. Esse é o lugar simbólico ocupado pelo vilão Maxwell Lord, empresário que sempre se apresenta como uma estrela da TV e vai, minuto a minuto, depurando sua sordidez em prol de um projeto de controle, sem perder um quinhão de humanidade em sua relação com o filho. Na trama, ambientada na década de 1980, ele se apossa de um minério mágico, capaz de realizar as vontades alheias, roubando as forças e certas virtudes de quem atende, abrindo um desequilíbrio global que só a Princesa das Amazonas (Gal Gadot, uma piscina olímpica de carisma) pode deter. Todo o tempo, Diana arrasta um fardo em relação ao conceito de "verdade", em função de um erro que cometeu na infância, e Lord se põe diante dele como sendo alguém que traduz o oposto da veracidade, ao vender ilusões, ao apostar na mentira. A monumental atuação do chileno Pedro Pascal já garantiria à figura uma potência humanista tridimensional. Mas há na direção de Patty Jenkins - que também dirigiu o "Wonder Woman" original, de 2017, e volta mais requintada agora, em sua depuração formal - um esforço de se abrir diferentes dimensões de caráter e afeto em todos os personagens.

É um modo de fugir do maniqueísmo. numa marca (autoralíssima) da cineasta, ativa desde seu primeiro filme de sucesso: "Monster - Desejo Assassino" (2003), no qual sulca camadas que relativizam as ações mais nefastas de seus personagens. Mais do que construir uma instância alegórica a partir da realidade governamental dos EUA do trumpismo, Patty é feliz ainda numa revisão dos códigos da cartilha dos filmes de super-herói, numa explícita homenagem ao cult "Superman, O Filme" (1978), de Richard Donner, não apenas na trilha sonora de Hans Zimmer como nas sequências de Diana (alter ego da Mulher-Maravilha) aprendendo a voar. O terceiro ponto de excelência narrativa da supeprodução é o afinado diálogo do roteiro escritor por Patty, Dave Callaham e Geoff Johns com as HQs dos anos 1980. Naquela época, a editora DC Comics (a maior rival da Marvel na venda de gibis) revitalizou suas heroínas e heróis, realçando fraquezas de modo a atenuar seres antes celebrizados por seus poderes. Como espetáculo audiovisual, esta "parte dois" das aventuras de Diana tem uma altíssima voltagem de ação, numa montagem eletrizante, mas atenta a situações irônicas, como o divertido processo de reeducação de Steve Trevor (Chris Pine, em impecável atuação) desaparecido na I Guerra e resgatado em 1984, tendo que aprender como se vestir numa época em que pochete era moda.

 

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