No Brasil todo diaé de samba

O mais brasileiro dos gêneros musicais é celebrado neste 2 de dezembro

Por Affonso Nunes

Donga, Pixinguinha e João da Baiana, a Santíssima Trindade do Samba

Nesta terça-feira (2) celebra-se o Dia do Samba. Dois de dezembro não é a data de nascimento de Tia Ciata. Também não é quando Donga gravou "Pelo Telefone". E muito menos quando Ismael Silva e os bambas do Estácio fundaram a Deixa Falar. O Dia Nacional do Samba surgiu por iniciativa de um vereador baiano, Luis Monteiro da Costa, para homenagear Ary Barroso. Ary já tinha composto seu sucesso "Na Baixa do Sapateiro", mas nunca havia posto os pés na Bahia. Esta foi a data que ele visitou Salvador pela primeira vez. A festa foi se espalhando pelo Brasil e virou uma comemoração nacional.

Em sua célebre canção, Nelson Sargento cantava que o "samba agoniza, mas não morre". O bamba se referia aos altos e baixos enfrentados pelos devotos do gênero. Mas os tempos são outros. Mais forte do que nunca, o samba está lépido e fagueiro, com eterna capacidade de renovação.

O mais brasileiros dos gênero musicais possui raízes profundas, entrelaçando elementos da cultura africana, indígena e europeia. Nada mais brasileiro. Sua história é marcada por resistência, criatividade e constante evolução. As primeiras manifestações podem ser traçadas até os batuques e rodas de dança realizadas por escravizados africanos. Esses encontros eram momentos de celebração e expressão cultural, onde ritmos e movimentos corporais eram transmitidos de geração em geração, com instrumentos de percussão como o atabaque.

Com a abolição da escravatura e a urbanização do início do século 20, muitos afro-brasileiros migraram para centros urbanos levando suas tradições musicais. No Rio de Janeiro, esses ritmos se mesclaram a outros gêneros como polca, valsa, maxixe e lundu. Os primeiros sambistas eram moradores de comunidades carentes que utilizavam a música como resistência. As rodas de samba aconteciam em ruas e vielas, mas a repressão policial as transferiu para dentro das casas.

A baiana Tia Ciata tem nome gravado na história do samba. Sua casa na Rua Visconde de Itaúna, na Praça Onze, tornou-se celeiro de talentos. Entre os frequentadores estavam Pixinguinha, Sinhô, Donga e João da Baiana. Foi lá que Donga compôs, em 1916, "Pelo Telefone", o primeiro samba gravado, e João da Baiana introduziu o pandeiro no gênero.

A partir da década de 1920, o samba alcança destaque nacional, impulsionado pela criação das escolas de samba e pela difusão no rádio. Os desfiles carnavalescos transformaram o samba em símbolo da cultura brasileira. Outro marco foi o surgimento dos Oito Batutas (1919), com Pixinguinha, Donga e João Pernambuco, introduzindo novas sonoridades. A passagem do grupo por Paris em 1922 levou o samba ao mundo.

O samba moderno surge no fim dos anos 1920, com Ismael Silva e os irmãos Bide e Mano Rubem, trazendo sonoridade mais urbana e dançante. Noel Rosa destacou-se por sambas melancólicos e crônicas cotidianas. Dorival Caymmi e Ary Barroso também marcaram época.

Na Era Vargas, marcada pelo nacionalismo, o samba se consolida como patrimônio nacional. Compositores como Noel Rosa e Pixinguinha tornaram-se grandes nomes, compondo sobre amor, vida cotidiana e lutas populares. Cartola começava a compor seus primeiros sambas.

Nos anos 1950, a Bossa Nova ofusca o gênero, incorporando harmonias sofisticadas com sotaque da Zona Sul carioca. Era o desenvolvimentismo JK, e o samba passava a ser visto como manifestação do morro. Apesar disso, o samba resistiu e se reinventou. O movimento negro organizado reafirmava o gênero como fundamental na identidade afro-brasileira.

Artistas do primeiro time da MPB como Chico Buarque, Elis Regina e Nara Leão abraçaram a estética do samba. As escolas de samba ganharam novo impulso nos anos 1960, com desfiles elaborados abordando questões sociais e políticas. Nomes como Cartola, Nelson Cavaquinho e Nelson Sargento inspiraram uma nova geração: Candeia, Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Clara Nunes, Martinho da Vila, Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus e Alcione.

Em 1979, quando o samba era ofuscado pela música internacional, João Nogueira, Martinho da Vila, Alcione e Beth Carvalho fundaram o Clube do Samba, no espírito das rodas na casa de Tia Ciata. Com o tempo, os eventos ganharam espaços maiores.

Beth Carvalho teve papel fundamental na valorização do samba, revelando talentos como Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Jorge Aragão, contribuindo para a popularização do pagode.

Se no passado o sambista era marginalizado, hoje nomes como Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Diogo Nogueira e Maria Rita têm status de popstar, arrastando multidões no Brasil e exterior. E Não é que Nelson Sargento estava coberto de razão?