Contra enfermidades, vá de 'Utopia'

Cantor e compositor lança álbum de inéditas em parceria com Paulo César Pinheiro e convidados especiais

Por Affonso Nunes

Dori Caymmi no estúdio da Biscoito Fino durante as gravações de 'Utopia'

Aos 82 anos, completados exatamente nesta terça-feira (26), Dori Caymmi presenteou seu público com "Utopia", seu novo álbum que chega às plataformas digitais carregado de simbolismo e melancolia. O trabalho, que sucede "Prosa e Papo" de 2024, reúne dez canções praticamente inéditas - apenas uma já havia sido gravada anteriormente - e representa mais um capítulo da parceria consolidada entre o compositor e o contrabaixista Jorge Helder na produção.

O experiente Dori é daqueles artistas que não se deixa levar pela pressa dos tempos modernos. "Toda vez que eu penso em um novo projeto, trabalho três, quatro meses nas músicas, defino quem eu vou convidar, e só depois que estou pronto, que está tudo feito, levo para o estúdio", explica o compositor, reforçando sua vocação de artesania sobra cada canção.

"Utopia" é uma bálsamo sonoro, é música de pura (e rara) qualidade, um tarbalho que agrega, mas plavras de Dori, "generosos amigos, fabulosos artistas, que vieram cantar pra mim".

Entre os convidados, destaca-se Ivan Lins, que além de coautor da inédita "Isabela", participa da gravação da canção. Sergio Santos divide os vocais em "Pelas Mãos de Algum Poeta", composição que assina em parceria com Caymmi, enquanto Mônica Salmaso - com quem Dori já colaborou no álbum "Canto Sedutor" de 2022 - interpreta "O Nome da Moça", parceria com Roberto Didio.

Os dois mais célebres quartetos vocais da nossa música - o Boca Livre e o MPB4 - participam das faixas "Búzios Azul" e "Ninho de Vespa", respectivamente, ambas parcerias com Paulo César Pinheiro.

"Ninho de Vespa" é a única faixa previamente gravada do repertório, mas ressurge repaginada com outra abordagem, como explica Dori: "Quis regravar esse frevo com um formato mais pernambucano, em homenagem à música de Recife, que eu adoro".

A faixa "Viageiro" ganha contornos corais especiais com a união de MPB4, Mônica Salmaso, Boca Livre e Sergio Santos nos vocais.

Um dos parceiros mais frequentes de Dori, Paulo César Pinheiro assina sete das dez canções de "Utopia" em parceria com Dori, que dedica o álbum ao "parceiro da vida inteira". As composições "Sozinho de Nascença", "Navegação", "Filete D'Água" e "Filigrana" completam o repertório em interpretações solo de Caymmi, revelando a intimidade e a maturidade de um artista que domina completamente seu ofício.

A capa do trabalho carrega forte carga emocional ao reproduzir uma pintura do patriarca Dorival Caymmi retratando Dori ainda criança.

Além dos convidados, o time de músicos que gravou com Dori é imponente: Jurim Moreira (bateria), Itamar Assiere (piano), Paulo Aragão (violão), Iura Ranevsky e João Bustamente (cellos), Cristiano Alves (clarinete), Dirceu Leite e José Carlos Bigorna (saxes e flautas), Neymar Dias (viola) e Lulinha Alencar (sanfona).

O título "Utopia" carrega o peso de uma reflexão melancólica sobre o momento atual da música brasileira. Dori Caymmi contextualiza sua escolha com a lucidez de quem atravessou décadas da música nacional: "Já tenho 82 anos de idade e faço uma música extremamente brasileira, baseada em todos os ensinamentos que eu tive, de todos os grandes compositores do Brasil. Compor e pensar num disco desse nível, neste momento em que a nossa música está bem enferma, padecendo de cuidados, é algo totalmente utópico. Por isso o disco chama-se Utopia".