Morre Miguel Proença, embaixador do piano brasileiro, aos 86
Instrumentista gaúcho deixa legado de mais de 30 discos e décadas dedicadas à difusão da música de concerto brasileira
O Brasil perdeu nesta sexta-feira (22) um de seus mais ilustres embaixadores culturais. Miguel Proença, pianista que durante mais de seis décadas construiu pontes entre a música de concerto brasileira e o cenário internacional, morreu aos 86 anos no Hospital São Vicente. A confirmação veio através do cantor Márcio Gomes, amigo próximo do músico, que destacou nas redes sociais a versatilidade artística de Proença: "Sua carreira foi brilhante como pianista clássico, mas amava a música popular".
Nascido em Quaraí, no interior do Rio Grande do Sul, em 1939, Proença descobriu sua vocação musical ainda na infância, quando iniciou os estudos de piano. Sua trajetória o levaria muito além das fronteiras gaúchas: aperfeiçoou-se nas prestigiosas escolas de Hamburgo e Hannover, na Alemanha, onde absorveu a tradição pianística europeia que mais tarde aplicaria à interpretação do repertório brasileiro. Esse encontro entre a técnica germânica e a sensibilidade nacional tornou-se uma das marcas distintivas de sua carreira.
De volta ao Brasil, Proença estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde se tornaria uma figura central da vida musical carioca. Sua atuação transcendeu as salas de concerto: dirigiu instituições fundamentais como a Sala Cecília Meireles e a Escola de Música Villa-Lobos, além de ocupar o cargo de secretário municipal de Cultura entre 1983 e 1988. Durante essa gestão, fundou a Orquestra de Câmara da Cidade do Rio de Janeiro, ampliando as possibilidades de difusão da música de câmara na cidade.
O catálogo discográfico de Proença, com mais de 30 álbuns, representa um verdadeiro mapeamento da música brasileira para piano. A série "Piano Brasileiro", lançada em 2005, exemplifica seu compromisso com a divulgação dos compositores nacionais, reunindo interpretações de mestres como Alberto Nepomuceno, César Guerra-Peixe, Edino Krieger, Ernesto Nazareth, Oscar Lorenzo Fernández, Radamés Gnattali e Heitor Villa-Lobos. Suas colaborações internacionais incluíram parcerias com o violinista italiano Salvatore Accardo e o flautista francês Jean-Pierre Rampal, consolidando sua reputação além-fronteiras.
A dimensão pedagógica também marcou profundamente sua trajetória. Proença lecionou no Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade de Música de Karlsruhe, na Alemanha, formando gerações de pianistas e perpetuando sua abordagem interpretativa. Essa atividade docente refletia sua convicção de que a música brasileira merecia lugar de destaque no repertório pianístico mundial.
Sua última incursão na gestão cultural ocorreu em 2019, quando assumiu a presidência da Funarte durante o governo Bolsonaro. O mandato, porém, durou apenas alguns meses: foi exonerado em novembro após defender publicamente a atriz Fernanda Montenegro, atacada pelo então diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte, Roberto Alvim. O episódio revelou a coerência ética que sempre pautou suas decisões, mesmo quando isso implicava custos pessoais.
Miguel Proença deixa três filhos – Paulo, Daniel e Laura. O velório será realizado neste domingo, a partir das 10h, na Sala Cecília Meireles, espaço que dirigiu e que simboliza sua dedicação à música.