CRÍTICA / SHOW / MAYHEM ON THE BEACH: (Altas) expectativas cumpridas

Por Lanna Silveira

Lady Gaga durante apresentação que eleva o patamar dos shows na orla de Copacabana

A performance de Lady Gaga em Copacabana trazia consigo duas expectativas a serem atendidas: alcançar o alto nível de sua apresentação no festival Coachella, que foi recebida com êxtase por fãs e admiradores, e igualar a grandiosidade do show apresentado por Madonna há quase exatamente um ano, na mesma praia. Após mais de duas horas de um espetáculo esotérico, emocionante e que alcançou a medida perfeita entre o rigor e a espontaneidade, Gaga elevou o patamar de qualidade do "Todo Mundo no Rio" e o consagrou como uma das cerimônias mais importantes do calendário de eventos musicais realizados anualmente no Brasil. O recado para as atrações dos anos seguintes após a noite de sábado é claro: a praia de Copacabana é lugar de artista com "a" maiúsculo.

A setlist estabelecida por apresentações promocionais da Mayhem Tour, cuja estreia oficial só acontece em julho, foi mantida integralmente no show brasileiro. Esta temporada de concertos é dedicada, especialmente, a promover as canções lançadas no álbum mais recente da cantora: Mayhem (2025).

A fim de ornar com a atmosfera "dark pop" do disco, Gaga complementou a lista de faixas da turnê com êxitos dos álbuns "The Fame" (2008), "The Fame Monster" (2009) e "Born This Way" (2011), sem apresentar nenhum número dedicado a relembrar "Artpop" (2013), "Joanne" (2015) e "Chromatica" (2020), sem grandes perdas para a apresentação, já que as eras contempladas representam os hits mais memoráveis e celebrados de Gaga pelo público geral e pelos fãs.

O primeiro ato, "Do Veludo e Vício", abre o concerto com uma seleção de faixas enérgicas e contagiantes; um tiro certeiro para engajar o público já nos primeiros momentos do espetáculo. Abrindo com "Bloody Mary" - música que ganhou tração recentemente e se tornou um sucesso no aplicativo Tik Tok - e passando pelos singles "Abracadabra", "Judas" e "Poker Face", além das queridinhas dos fãs "ScheiBe" e "Garden Of Eden", Gaga entrega momentos de catarse ao explorar a linguagem do macabro com muito atrevimento, em meio a uma performance tão caótica quanto meticulosamente planejada. Os números deste ato são os mais teatrais do show, com muita exploração da linguagem corporal na intepretação das músicas por parte do balé. Gaga, apesar de claramente ensaiada, destoa do corpo organizado do palco ao performar as canções com espontaneidade, muito mais preocupada em sentir a energia das canções e canalizá-la em seus movimentos do que em harmonizar com o resto dos dançarinos. Com sua interpretação, a artista não pretende ser perfeita, mas sim genuína.

O segundo e terceiro ato, "E Ela Caiu em um Sonho Gótico" e "O Belo Pesadelo Que Conhece o Nome Dela", priorizam números suaves com músicas de ritmo moderado e baladas, em um contraste bem-vindo ao grande alvoroço promovido inicialmente. A partir desse momento, Gaga parece se desprender ainda mais da teatralidade das performances, permitindo se divertir entre os shows e iniciando um engajamento mais direto com o público - mudanças que acrescentaram muito para a qualidade do show já que, no primeiro ato, era notável a falta de conexão entre a cantora e os fãs. Após uma sequência de canções com temas intimistas e performances que colocam a dualidade da fama em perspectiva ("Perfect Celebrity", "Disease" e "Paparazzi"), Gaga se apresenta com vulnerabilidade ao público brasileiro ao ler uma carta de agradecimento, com o auxílio de um tradutor, pelos anos de carinho e pela calorosa recepção recebida durante sua estadia no país. Mesmo nos momentos de silêncio, a artista demonstrava gratidão e ternura no olhar, além de um certo grau de incredulidade com o tamanho de seu impacto no Brasil. Os números seguintes ofereceram uma Gaga cada vez mais confortável e confiante de sua apresentação, exibindo toda a sua desenvoltura no palco em canções como "Alejandro", "Killah" e "Zombieboy".

Apesar de alguns pontos fracos no fechamento do terceiro ato, com uma apresentação mal aproveitada do hit "Die With a Smile" e escolha equivocada de performar "How Bad Do You Want Me" - canção que destoa das demais e estagna o ritmo do concerto -, os atos finais "Despertá-la Significa Perdê-la" e "Cantiga Eterna do Coração Monstruoso" recuperam a energia do concerto ao amalgamar pontos fortes da persona artística construída por Gaga ao longo de suas quase duas décadas de carreira. Em "Born This Way" e "Vanish Into You", a artista dedica seu amor e admiração à comunidade LGBTQIAPN , que recebe o apoio público de Gaga desde o início de sua trajetória e encontrou um refúgio na autoaceitação celebrada em sua obra. Toda a potencialidade vocal da artista é exibida nas interpretações emocionantes, em voz e piano, de "Blade Of Grass" e "Shallow" - a última sustentada por Gaga com maestria, apesar da ausência da segunda voz de Bradley Cooper. Como encerramento, "Bad Romance" retorna com a apoteose promovida no primeiro ato, junto a figurinos e coreografias que remetem à estética do videoclipe da canção e momentos de sinergia intensa com os dançarinos da turnê e com o público. Por fim, ao som dos fogos de artifício soltados em Copacabana e das palmas e coros dos fãs, Gaga permite que o show acabe naturalmente, contemplando a multidão a sua volta e se despedindo dentro do seu tempo, sem pressa de deixar o palco. O que fica, para quem assistiu, é a sensação de ter presenciado uma artista vivendo mais um auge entre muitos de sua trajetória. Amadurecida e consciente de seus talentos e potencialidades, Lady Gaga cantou com a irreverência de um rockstar e a sensibilidade de um artista que ainda busca a sua melhor versão e se está intimamente ligado à tudo que a sua obra musical envolve, contribuindo para a entrega de mais um show histórico no Rio de Janeiro que superou todas as expectativas.