Um caso de amor com a viola

Chico Lobo celebra 40 anos de estrada com repertório de modas, toadas e folias em álbum gravado ao vivo

Por Affonso Nunes

Chico Lobo: 'Tocamos sem maquiagens desvairadas de pós-produção. Me permiti cantar e tocar como sou'

Gravado em Belo Horizonte no dia em que completou 60 anos, Aos 60 anos, o violeiro Chico Lobo dá um passo inédito em sua trajetória: lança o primeiro álbum ao vivo da carreira. Intitulado "Chico Lobo & Banda Ao Vivo Na Estrada". Gravado em um show intimista com apenas 80 convidados, na Casa Outono, em Belo Horizonte, o trabalho marca não só a celebração do aniversário do artista, mas também seus mais de 40 anos de dedicação à viola caipira e à cultura popular brasileira.

Acompanhado por sua banda — formada por Ricardo Gomes (baixo, vocal e direção musical), Léo Pires (bateria) e Marcelo Fonseca (violino rabecado e vocal) —, Chico apresenta um repertório que resume suas andanças pelo país. Com produção geral de Angela Lopes, captação de áudio de Sérgio Lima Neto e coordenação de imagens de Marcos Neves, o álbum foi gravado no dia 26 de fevereiro de 2023 e mixado no Estúdio Araras, em Petrópolis.

A sonoridade do disco preserva a organicidade dos encontros ao vivo. "É o que é", resume Chico Lobo. "Tocamos sem maquiagens desvairadas de pós-produção. Me permiti cantar e tocar como sou. Estou inteiro e desnudo." O resultado é um trabalho que convida o ouvinte a uma roda de viola embalada por modas, toadas, folias e repentes — marcas registradas do artista mineiro, que leva o Brasil rural às plateias urbanas com lirismo e intensidade.

No repertório, há composições próprias e releituras. A faixa de abertura junta duas peças do próprio Chico Lobo: "A Palavra Feito Punhal", inspirada na poesia nordestina, e "Toque de Feira", tema instrumental com sotaque armorial. Em seguida, ele revisita o cancioneiro afro-mineiro em "Canta Mais Eu", de Seu Ribeiro, e dá nova vida ao clássico sertanejo "Rio de Lágrimas", gravado por ele pela primeira vez.

Entre os destaques do álbum estão também "Disparada", de Geraldo Vandré e Théo de Barros, que Chico Lobo interpreta com emoção e vigor, e "Tocando em Frente", de Renato Teixeira e Almir Sater, canção que embalou momentos de reclusão durante a pandemia. A divertida "No Dia Que Eu Morri", inspirada em um boato sobre sua morte, e "Zóio Preto Matador", que entrou na trilha da novela "Bicho do Mato", também integram o repertório.

Em "O Tempo É Seu Irmão", música lançada originalmente em 2022, Chico faz uma ponte com o público mais jovem, adotando um arranjo moderno de sotaque country. Já em "Cantigas de Boi", o artista celebra as festas populares brasileiras com batidas fortes e alegria contagiante. Há ainda homenagens — como em "Maria", dedicada a Maria Bethânia, que a gravou em 2016 — e resgates afetivos, caso de "No Braço Dessa Viola", regravada quase 30 anos após dar nome ao seu primeiro disco.

O álbum termina com "Canto de Despedida", faixa que mergulha nas raízes afro-mineiras dos congados. A canção, que evoca os ritos do Reinado de Dona Efigênia, do qual Chico Lobo participou em 1988 como Guarda Coroa, é um encerramento simbólico para um disco que reverencia o Brasil profundo com a naturalidade de quem o vive.

Natural de São João del-Rei, Chico Lobo é um dos principais nomes da viola brasileira na atualidade. Ao longo de mais de três décadas de carreira, lançou 34 discos e dois DVDs, publicou um livro, apresentou programas de rádio e TV e levou sua música a países como Portugal, Itália, China, Canadá, Argentina, Chile e Colômbia. Vencedor por quatro vezes do Prêmio Profissionais da Música na categoria Melhor Artista Regional, é também idealizador de projetos como o Ensino de Viola nas Escolas Rurais e o Viola Viva, que promove o ensino do instrumento a jovens das cidades de São João del-Rei e Santa Cruz de Minas.

A inquietação artística de Chico Lobo é acompanhada por uma missão que abraçou desde cedo: conectar o passado e o presente da cultura popular brasileira. "Sou um compositor compulsivo e produzir sempre faz bem para minha sanidade", diz. "Esse álbum ao vivo nasceu do desejo de registrar a estrada, a amizade, a parceria musical. Correspondeu ao desejo do meu coração."

Neste trabalho, o violeiro não faz diferente e entrega uma obra que é, ao mesmo tempo, celebração e continuidade — um testemunho musical de sua trajetória e um convite àqueles que desejam conhecer um Brasil que ainda pulsa nas cordas da viola.