Juliane Gamboa: 'Sou uma artista transeunte'

Com influências variadas, de Jovelina Pérola Negra a Billie Holliday, cantora se destaca na nova cena jazzística brasileira com seu álbum de estreia

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Juliane Gamboa sobre seu álbum: 'Trabalhamos com um repertório de canções de dentro e de fora do universo do jazz, buscando trazer cores que dialogassem com a história que está sendo contada'

Nesta quinta-feira (21) chega às plataformas de música "Jazzwoman" (Biscoito Fino), álbum de estreia da cantora e compositora Juliane Gamboa. Fortemente influenciada por grandes intérpretes e compositores do samba, da MPB e do jazz, Juliane mistura e atualiza referências, reverberando um pouco de tudo que lhe interessa num álbum que oxigena e renova a cena brasileira do jazz.

Filha de pai percussionista, samba e pagode fizeram parte da trilha sonora da primeira infância de Juliane. Com o passar dos anos, novas informações musicais iam chegando. "Quando a nossa família se tornou religiosa, passamos a ouvir muita música católica, que já tinha bastante influência jazzística. Também fui uma criança muito fã de Michael Jackson, que me levou ao soul, ao R&B, ao hip hop, e mais tarde ao jazz", pontua Juliane.

Através da sua mãe, fã de Milton Nascimento, Nana Caymmi, Elis Regina, Elza Soares, Jovelina Pérola Negra e Djavan, se aproximou da MPB na adolescência, "já tocando violão, e entendendo que a música deles era um caminho que me interessava bastante", complementa.

Juliane Gamboa compôs "Transeunte", música que abre o trabalho e que, segundo ela, elabora todo o disco. "Ela fala de um desejo enorme de experimentar um pouco de tudo, transitar, fluir com o próprio corpo, e assim criar a sua própria subjetividade de forma mais expandida". É da avó da cantora, Néa Martins, a voz que se ouve em três vinhetas, que surgem em pequenos interlúdios para narrar o álbum.

O álbum toca na autonomia da mulher preta, no poder e criatividade, na magia que ela tem ao mover universos a partir de seu axé. A narrativa musical reflete sobre a ancestralidade em "Banzo" (Marcos Valle e Odilon Olynto), com citação de "All Africa", e "Herança", de Rômulo Fróes e Alice Coutinho; esbarra na melancolia de "20 anos blues", clássico de Vitor Martins e Sueli Costa; reafirma a sensualidade em "Eu sou mulher" (Filó Machado e Judith de Souza) e "Paracaê" (Thati Dias); inspira liberdade em "Vozes-mulheres" (Conceição Evaristo) e na já citada "Transeunte"; louva o poder da imaginação radical das mulheres negras em "Sonho Juvenil" (Almir Sant'anna e Guará) e "Solitude (Reimaginada)"(Duke Ellington, Eddie Delange, Irving Mills), homenageando Jovelina Pérola Negra e Billie Holliday, duas fortes referência para Juliane Gamboa.

A tradição do jazz se faz presente no álbum, mas a autoridade está nas mãos do improviso, das tecnologias e da espiritualidade. "Com arranjos de Lucas Fixel e direção musical compartilhada comigo, trabalhamos com um repertório de canções de dentro e de fora do universo do jazz, buscando trazer cores que dialogassem com a história que está sendo contada. A sonoridade traz uma atmosfera bastante espiritual e profundamente íntima, pois percebo a individualidade como algo muitas vezes negado às mulheres negras por conta dos traumas da escravização que continuam a reverberar, mesmo após tantas gerações", reflete Juliane.

Antes de "jazzwoman", Juliane havia lançado os singles "Vambora" (2020) e "No Espelho" (2020), além de duas faixas que aqueceram a chegada do novo álbum às plataformas. Como cantora, colaborou com artistas como Zélia Duncan, Ana Costa e Preta Gil. "Eu sou uma artista 'transeunte', gosto de beber de diversas fontes. A Preta Gil, para mim, é uma verdadeira jazzwonan: uma mulher que rompeu o silêncio diversas vezes para defender as minorias. Estar ao seu lado como backing-vocal me serviu de inspiração para continuar cumprindo o meu papel, no meu próprio nicho.

No trabalho com Zélia e Ana, em 'As Sete Mulheres pela Independência do Brasil', além de cantar, tive uma aula de história a partir de letras que narram e poetizam a história - muito apagada - de mulheres que foram essenciais no processo revolucionário".

Em seu álbum, Juliane Gamboa trafega com segurança por vários estilos e influências musicais, dando coesão a um repertório plural e intimamente ligado às suas convicções como mulher e artista negra. "Cantar, pra mim, é romper o silêncio pela minha dignidade, pelo meu descanso, pelo meu prazer. Eu confio no autocuidado e no autoamor como estratégias do povo preto contra o racismo. Sendo artista, estando neste ofício de criar e portar a voz, é a mensagem principal do meu trabalho".

Em 2022, a cantora e compositora integrou a residência artística Mares, no Oi Futuro. No ano seguinte, foi selecionada para o programa internacional OneBeat (EUA). Seu trabalho vem ganhando o reconhecimento de artistas como Chico César, Angela Ro Ro e Teresa Cristina, além da cantora de blues norte-americana JJ Thames, e reverberando nas redes sociais. A

artista foi selecionada para participar da residência "Stop Over 3", em Berlim, em janeiro de 2025, ao lado de grandes artistas da cena do jazz internacional, como Natalie Greffel, Tonina Saputo, Tara Sarter e Kayla Briët.