Por: Cláudia Chaves | Especial para o Correio da Manhã

Abre a roda, mulherada!

Durante o evento, cantoras e instrumentistas mulheres se revezarão na mesa do Renascença | Foto: Divulgação


"Tia Ciata, Que era bamba pra valer / Não desprezava um pagode antes do dia amanhecer", já diziam Miro, Silvio, Duduca e Omildo Souza Bastos no samba-enredo do Salgueiro, em 1970, que saudava a Praça Onze e os pioneiros do samba. Ainda que a mulher, que abriu sua casa para o ritmo perseguido pela polícia no começo do século passado, seja cantada em prosa e verso, as mulheres, até pouco tempo, não tinham o lugar merecido no hierarquia dos artistas. Tia Ciata, junto com as baianas, jovens compositores, organizava rodas de samba em sua casa, um espaço de resistência cultural e onde Donga compôs "Pelo Telefone", o primeiro samba gravado. Para mudar esse destino, o Movimento das Mulheres na Roda de Samba criou o Encontro Nacional e Internacional das Mulheres na Roda de Samba, projeto reúne rodas de samba femininas, acolhendo cantoras e instrumentistas do Brasil e do exterior - uma potente rede de apoio entre essas artistas ampliando a visibilidade da força feminina no gênero.

Dorina, idealizadora do movimento e sambista, revela que, desde os primeiros encontros, percebeu que muitas mulheres desejavam participar, mas não sabiam tocar instrumentos ou se apresentar no samba. "A mulher deve ser reconhecida como uma potência criativa. É com grande alegria que celebramos a sétima edição deste movimento, que também oferece workshops para capacitar mulheres no samba (oficina de partido-alto com Gabriezinho do Irajá com inscrição gratuita). Atualmente, cerca de cinco mil mulheres fazem parte dessa iniciativa, descobrindo um potencial que estava adormecido", destaca.

Neste sábado (30), às vésperas do Dia Nacional do Samba, o evento será realizado em 30 cidades. No Rio, mais de 100 mulheres, incluindo cantoras, compositoras e instrumentistas, prometem seis horas de batucada no Renascença Clube, a partir das 15h. Sob a apresentação da cantora e jornalista Bia Aparecida, o projeto será revelado junto às suas atrações, com a direção musical de Ana Paula Cruz e Roberta Nistra. Esta edição do evento homanageia as cantoras Áurea Martins e Clementina de Jesus (in memoriam).

O Line-up começa com as homenagens e depois chega o samba de todos os gêneros e feitios com cantoras como Ana Costa, Nina Rosa, Dayse do Banjo, Renata Jambeiro, Nina Wirtti, Lazir Sinval, Tia Surica, Dorina, entre outras. Também se apresentarão grupos como Herdeiras do Samba e Mulheres da Pequena África, e haverá a inclusão com intérpretes de Libras, garantindo acessibilidade e diversidade na celebração. Continua na página seguinte

 

'Foi desafiador encarar um ambiente tão masculino'

Dayse do Banjo 'Há mais de 30 anos eu venho tocando samba nas rodas; eu sempre me sentia muito sozinha' | Foto: Divulgação

O Correio da Manhã ouviu o depoimento de duas bambas que nos mandaram sobre a situação das mulheres no mercado de trabalho no samba. Confira abaixo:

Dayse do Banjo (cantora e instrumentista)

Há mais de 30 anos eu venho tocando samba nas rodas; eu sempre me sentia muito sozinha nas rodas, onde eu também fui a primeira mulher a vir tocando Cavaquinho na Mangueira. Isso foi em 1989. Quanto a nós mulheres, sempre é muito mais difícil. Já estamos ocupando nossos lugares, mas ainda não o lugar que merecemos. Isso caminha a passos lentos, mas já vemos as rodas com muitas mulheres competentes. Eu fico muito feliz com isso, de ter trazido também a minha história, pois hoje ainda toco, participo das rodas, componho. Quanto ao cachê, ele ainda é menor do que dos homens e existe muito problema por sermos mulheres e estarmos muito pouco nas rodas dos homens. Depende muito de produções, de pessoas que reconhecem o nosso trabalho. Temos que ter pessoas à frente de nós com essa consciência: de que somos iguais, podemos todas as coisas que os homens podem, (com certeza está sendo provado a cada dia. Vemos nas rodas mulheres competentes tocando percussão, tocando instrumentos, cantando, compondo. Esse projeto, o Mulheres na Roda de Samba, é lindo! Fico muito feliz em participar. É feito pela nossa querida Dorina, que traz esse trabalho com essa dignidade toda e com esse afinco de mostrar que nós podemos tudo. Quanto às minhas pretensões futuras, sempre é estar tocando samba, e já fiz parte de um braço no Império Serrano de um bloco chamado TPM, bloco que se tornou uma escola de samba, desfilou na Intendente Magalhães, para o qual fiz parte da composição com minhas parceiras, ganhamos esse samba, foi muito lindo, Então hoje tem uma pretensão, virou escola de samba. É uma escola essencialmente de mulheres, bateria, compositoras, diretora. Pretendo para o futuro é o que a gente tem feito agora, fortalecendo as mulheres e não deixando esse espaço sem narcar a nossa presença.

Mary Araújo, instrumentista (pandeiro e caixa)

Ao longo de 25 anos de estrada com o Grupo Sódamas e participando de outros projetos musicais, mais precisamente de samba, foi desafiador encarar um ambiente tão masculino, mas também uma chance de resistir e mudar. Sempre é preciso quebrar os preconceitos, mostrar que a gente tem capacidade, contar com o apoio de outras mulheres para abrir espaço. Em relação aos cachês, ainda existe muita desigualdade. Muitas vezes, banda só de mulheres, a gente acaba recebendo menos que bandas de homens. E mesmo quando o grupo é misto, as mulheres nem sempre ganham igual aos homens. E a gente está fazendo o mesmo trabalho. Essa diferença ainda é uma realidade muito grande no mercado, infelizmente. Para o futuro, penso que é necessário pensar novas rodas, novos grupos de percussionistas e até mesmo escolas só para mulheres. Acho que isso faria uma grande diferença. A gente tem várias oficinas que oferecem atividades musicais. E esse projeto, para além de ensinar música, é fortalecer a confiança das mulheres, criando um espaço mais justo e com mais representatividade.

SERVIÇO

7º ENCONTRO NACIONAL E INTERNACIONAL DE MULHERES NA RODA DE SAMBA

Renascença Clube (Rua Barão de São Francisco, 54 - Andaraí)

30/11, a partir das 15h (abertura dos portões)

Ingressos: R$ 1 (bilheteria ou antecipados via Sympla no link https://l1nk.dev/RSLtY)

Colabore, se puder, com kits de higiene feminina