Depois da homenagem a Rolando Boldrin com o ótimo ""O Samba Está na Moda" (2022), o Casuarina adentra o varandão da saudade e empreende uma viagem musical aos primórdios do grupo iniciado em 2001. Assim é "Retrato", álbum que chega às plataformas digitais nesta sexta-feira (8), com distribuição do selo Biscoito Fino, e que o Correio ouviu antes.
Sempre feliz em seu trabalho de garimpo musical, o grupo selecionou um repertório afetivo e recheado de sucessos esquecidos e algumas pérolas pouco exploradas por seus intérpretes e autores originais. O retrato não poderia ser melhor captando canções que não merecem ficar desbotadas pelo tempo.
Agora na formação de trio com Gabriel Azevedo (voz, pandeiro e percussão), João Fernando (arranjos, bandolim, violão tenor, cavaco e vocais) e Rafael Freire (cavaco e vocais), o grupo carioca - que fez sua fama junto com a retomada da vida boêmia da lapa - pinçou sambas que marcaram época e foram importantes para cada de seus integrantes, numa costura a seis mãos para chegar às oito faixas do disco.
Décimo primeiro na discografia do Casuarina, "Retrato" conta a participação de três convidados altamente versados no samba: Marina Iris, Péricles e Zeca Pagodinho. A cantora carioca e Zeca gravaram os sambas "Cataclisma" e "Velhos Tempos", respectivamente.
Selecionado por Gabriel, "Cataclisma" é de autoria de Catoni e Valquir, dois compositores da Baixada Fluminense. "Quando ouvi este samba pela primeira vez fiquei impactado pela letra, que é muito atual e tem forte conteúdo político. Além da letra forte, a pegada melódica lembra um canto de capoeira, cheio de ancestralidade", conta o músico.
O convite para Marina Iris participar nesta faixa foi para o trio uma consequência natural. "Pensamos em uma cantora negra, uma mulher forte, com histórico político, e a Marina tem tudo isso", explica.
Pérola extraída garimpada do repertório dos compositores Luiz Grande e Romildo, a gravação de "Velhos Tempos" contou com a participação especialíssima de Zeca Pagodinho. Gabriel conta mais sobre a dobradinha. "Além de ser uma grande honra, receber o Zeca foi uma alegria. Ele é o que todo o Brasil já sabe: bem humorado, gentil, carismático e extremamente profissional. Gravou o samba de dois grandes amigos, deixando a sua marca de malandragem. Além disso, o Zeca é um dos melhores contadores de histórias que existem!"
Ícone do samba de São Paulo, Péricles imprimiu seu vozeirão elegante na versão de "Coração Feliz" (Adilson Bispo, Marquinho PQD e Gerson do Vale), canção do repertório de Beth Carvalho. "Malandro Sou Eu" (Arlindo Cruz, Franco e Sombrinha), outro clássico gravado pela madrinha do samba, entrou na lista de Rafael e permaneceu no álbum: "Essa música me remete ao final da década de 1990, quando o pagode invadiu a Zona Sul. Passei a frequentar as rodas de samba da região ainda moleque, com 16 anos, ao lado de amigos de colégio que viriam a ser colegas de ofício. Sempre tive vontade de gravá-la".
Outro achado de "Retrato" é "Amarguras", parceria de Zeca Pagodinho e Cláudio Camunguelo, originalmente gravada pelo Fundo de Quintal. "Cem Anos de Liberdade" (Alvinho, Jurandir e Hélio Turco), clássico samba-enredo da Mangueira, ganhou arranjo delicado, que foge da estética habitual do estilo. Bebendo na fonte de Jovelina Pérola Negra, o Casuarina foi buscar o samba "Catatau" (Guará), de aguçada crítica social, além de extremamente atual.
Já "Retrato Cantado de um Amor "(J. Roberto e Adilson Bispo) foi selecionada por João: "É um samba belíssimo, eternizado pelo cantor Reinaldo, que dialoga com o segmento do pagode. Insisti para que entrasse no disco, sempre achei que ficaria bonito na voz do Gabriel. Fiz o arranjo pensando em valorizar a melodia, e a gravação ficou incrível: acredito que seja um dos destaques do novo álbum".
"Retrato" celebra a maturidade do Casuarina, que completa 23 anos de trajetória fazendo o que mais gosta: resgatando canções esquecidas e dando a elas um tratamento de extremna qualidade. Gabriel, Rafel e João saíram bem na foto.