Mais conhecido como ator, Tom Karabachian mostra seu lado compositor na autoralidade de "Barato Abstrato" seu primeiro álbum. O artista lançou algumas canções nos aplicativos digitais e, em 2021, o EP "Aviciou", com cinco faixas, tendo duas delas gravadas por Mart'nália.
Com produção do multi-instrumentista Elísio Freitas, o disco de dez faixas exala a mistura que tão bem faz à música brasileira e que dificulta a rotulagem. Rock, frevo, funk, valsa, samba, xote, guarânia, piseiro se misturam tanto que letra da sigla MPB soa mais como "plural" do que "popular"
O disco abre com "Sou Assim Até Mudar", que Mart'nália já tinha gravado em seu álbum homônimo de 2021. Mas Tom, seu compositor, preferiu deixar uma versão intimista ou, por que não, um mergulho no abstrato do barato, vindo do mesmo não-lugar de onde saiu "Um Coração Só", música de Tom que ganhou letra do pai, Paulinho Moska. "Já tínhamos o desejo de nos conectarmos artisticamente, o que aconteceu mais forte recentemente. Meu pai é meu grande parceiro em tantas situações da vida, mas ainda faltava ser na música", conta Tom.
A composição remete aos clássicos da bossa nova, com um acento de blues e orquestração de jazz. Musicalmente, é quando o disco explode em arranjo de cordas cheio de belezas, escrito e regido por Dora Morelenbaum (um dos primeiros registros de um arranjo escrito pela Dora), que também assina os arranjos vocais do disco, cantando em quatro faixas diferentes.
Na sequência, o filho retribui a letra de "Um Coração Só", cantando "Nos Meus Olhos, Pai", parceria do Tom com o amigo de infância Zé Ibarra em que escutamos uma comovente declaração de amor à figura paterna, chegando até a inverter os papéis de proteção e cuidado. É um outro momento blue, mas nem um pouco triste. "Zé é, pra mim, como Márcio Borges é para Milton Nascimento. Grande parceiro da vida e da música", justifica Tom.
Em "Todo Cinza é Blue", o repertório dá sua primeira guinada, porque ainda que Mestrinho nos carregue no colo com sua melancolia nordestina, surge neste blues também algo do tango e do fado que deixa mesmo tudo cinza, assim como o título da faixa. O imenso Chico César vem em seguida, cantando sua linda parceria com Tom: o xote delicioso "Eu Vivendo Nossa Vida", que nos oferece novamente a encantadora sanfona de Mestrinho. Somos embalados por uma canção popular, "um romance brasileiro". Juntos, os dois brincam com a doçura e a densidade que a canção oferece.
A "caetânica" e sedutora faixa-título tem metais quentes, capitaneados pelo trombonista Antonio Neves, que nos sugerem um clima de músicos tocando juntos, como uma fotografia de um momento. "Domingo à Noite" é pura balada pop swingada, que começa com a frase "Não importa aonde vai dar", continuando a ideia libertária de que "o caminho da construção é o mais importante". Toda dor é solidão, mas sem muita demora, porque um piseiro pulsante nos coloca de novo a mexer o corpo e a mente com "Ressaca Brasil", escancarando nosso espelho insaciável por dinheiro e poder: "É tudo ouro... Ou nada em jogo".
Mosquito canta em duo com Tom o empolgante samba "Pra Toda Gente" e disco termina com "Lance Lance", um carnaval Rita Lee pulsando em um frevo Moraes Moreira, dançando numa festa tropicalista que desemboca novamente em um novo barato, sempre abstrato.