Laureado com o troféu L'Oeil d'Or, a Palma de Cannes para narrativas de não ficção, "Ernest Cole, Achados e Perdidos" vai engatar o Brasil numa discussão antirracista que se fez por meio de instantâneos fotográficos. Com sessão hoje na Mostra de São Paulo, às 17h40, no Reserva Cultural 2, o longa-metragem marca a volta às telas do diretor haitiano Raoul Peck, indicado ao Oscar por "Eu Não Sou Seu Negro", em 2017. Lá, ele rastreou intolerância pela via da literatura e, agora, parte de fotografias. Discretos, mas implacáveis no registro do racismo, os cliques feitos pelo sul-africano Ernest Levi Tsoloane Cole (1940-1990) hoje são encarados como um documento vivo das feridas geopolíticas deixadas pelo Apartheid. Sua vida foi maculada pelo desrespeito e terminou nas raias da pobreza, num processo de invisibilidade que hoje cega ao fim graças ao cinema. Cannes ajudou a consagrar seu nome com o trabalho de Peck. Agora é a vez das plateias paulistanas descobrirem sua arte, com direito a mais sessões do filme: tem uma no dia 24, às 19h, no Cinesystem Morumbi, e uma no dia 27, no Espaço Augusta 1.
"Eu conhecia algumas das fotos de Cole do tempo em que militei no comitê contra Apartheid, quando vivi em Berlim, mas os detentores dos direitos de sua obra me procuraram pedindo ajuda para a preservação dos retratos. Quando me debrucei sobre as fotos, fui entendendo que a história a ser contada estava nos bastidores dela, como se fosse a câmera escura de revelação, onde se escolhe o que destacar num retrato", disse Peck ao Correio da Manhã em Cannes. "Cole não queria ser cronista da pobreza, mas sim um retratista da condição humana". Cole deixou como chave para a decifração de sua obra um livro: "House of Bondage". Deixou ainda um legado de 60 mil negativos dele num cofre na Suécia, onde viveu depois de ter clicado evidências da violência racial em seu país, em tempos anteriores à libertação de Nelson Mandela. Esses cliques valeram a Cole uma relação azeda com as autoridades de sua nação, mas garantiram a ele espaço em revistas e jornais da Europa e dos EUA.
"Não quis investir num clima de thriller e ir atrás desse achado, de modo a valorizar esse arquivo secreto. O mais importante era dar voz a Ernest, entender o que se passou na cabeça dele ao sair da África do Sul e ir para Nova York. Eu sei o que é ser exilado e, portanto, posso imaginar o que ele sentia", disse Peck, que convocou o ator LaKeith Stanfield para ser a voz de Cole no filme. "Era um dispositivo pra parecer que Ernest está narrando sua própria trajetória, como se estivesse vivo entre nós".