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Martinho da Vila defende sincretismo e alfineta Ludmilla

Martinho da Vila: 'Tranca-Rua é Exu. Não é assim. Exu é mensageiro' | Foto: Bernardo Vieira/Divulgação

Martinho da Vila tem entre os inúmeros sambas que gravou "Devagar, Devagarinho", quase que um mantra sobre seu jeito de levar a vida. Mas o artista não foge de um bom debate e deu seu ponto de vista sobre a polêmica evolvendo o show da cantora Ludmilla no festival Coachella, nos Estados Unidos. "Ludmilla não entende muito desse assunto de religiões africanas", disse o músico, que prepara um novo álbum, em entrevista à revista Veja.

Em sua apresentação no festival americano, a artista brasileira exibiu num telão a frase "Só Jesus expulsa o Tranca Rua das pessoas", o que foi interpretado como preconceito religioso por pessoas públicas e internautas tanto que a cantora está sendo processada pelo deputado estadual Átila Nunes, parlamentar que representa as religições de matriz africana.

Em sua conta no X, a cantora argumentou que a imagem, parte de uma série de outras fotografias de favelas, foi tirada de contexto, e que respeita as pessoas de todas as fés.

"Tranca Rua é Exu. No passado, Exu era visto como o demônio pelas pessoas. E não é assim, Exu é mensageiro", disse Martinho. "Nós, católicos, temos anjo-da-guarda; e nós, da religião africana, temos Exu. Pegou mal. Parava por aí: 'só Jesus salva', na fala dos evangélicos. Sou religioso, acordo todos os dias e falo: 'Salve Jesus, Saravá meus orixás'. Misturo tudo. E vamos levando, devagar e sempre."

Autor de 10 livros, entre infanto-juvenis, romances e relatos biográficos, Martinho, por força da sua obra literária, teve em 2010 o nome indicado para ocupar a cadeira 29 da Academia Brasileira de Letras, que pertencia ao bibliófilo José Mindlin. Hoje, o cantor, compositor e escritor diz que não se voltaria a se candidatar, porque acredita que os nomes escolhidos já têm apreço da diretoria, mas que, se fosse convidado, aceitaria fazer parte da ABL.

"Lá tem os intelectuais para trocar ideias, conversar. É sempre bom trocar figurinha. A Academia foi fundada por um negro e na história da academia poucos tiveram acesso. Sou ligado aos movimentos negros e eles dizem: 'você tem que ir para lá, temos que ocupar os espaços'. Mas não estou pensando nisso agora não."

O fato é que as contribuições de Martinho para o resgate e valorização de uma identidade cultural genuinamente afro-brasileira são intermináveis. Nas décadas de 1980 e 1990, por exemplo, ele promoveu os Encontros Internacionais de Arte Negra (batizados de Kizomba), que trouxeram ao Brasil artistas de países como Angola, Moçambique, Nigéria, Congo, Guiana Francesa, Estados Unidos e África do Sul.

Em 2000, realizou no Theatro Municipal, em parceria com o maestro Leonardo Bruno, o projeto "Concerto Negro", um espetáculo sobre a participação da cultura negra na música erudita.