Por: Cristiano Martins e Diana Yukari (Folhapress)

Sepultura, um fenômeno global

Em clima de volta ao mundo, o Sepultura vai levar sua turnê final a 40 países | Foto: Divulgação

Caetano Veloso tinha acabado de se apresentar para 5 mil pessoas em Londres, ao lado de Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethânia. Foi ovacionado. Deixou transparecer, porém, uma ponta de ciúmes ao saber da enorme fila formada na cidade, dias antes, por fãs europeus à espera de outro grupo brasileiro: o Sepultura. "Eles são muito competentes no que fazem", disse o cantor na ocasião. Era junho de 1994, e os metaleiros de Belo Horizonte ainda nem haviam alcançado o auge da fama, que os levaria a tocar em quase 80 países e mais de 800 cidades fora do país, numa soma que chega a quase 2 mil shows.

De volta às raízes, o quarteto formado atualmente por Andreas Kisser, na guitarra, Paulo Jr., no baixo, o vocalista Derrick Green e - após a inesperada saída do baterista Eloy Casagrande do grupo na última semana - o americano Greyson Nekrutman na bateria, abre na capital mineira nesta sexta-feira a turnê "Celebrating Life Through Death".

Será a última de uma carreira de 40 anos que, mesmo irregular, não deve deixar de ser reconhecida como a mais exitosa de uma banda brasileira no exterior.

Levantamento da repportagem ajuda a dimensionar a base de admiradores que faz do Sepultura o maior expoente do rock brasileiro pelo mundo, ainda que não tenha feito tanto sucesso no próprio quintal com seus ritmos extremos e letras em inglês.

Desde a estreia internacional em setembro de 1989, na Áustria, cinco anos após sua fundação, a banda fez aproximadamente 2 mil shows em 76 países e 803 cidades fora do Brasil.

A lista vai aumentar em abril, quando a turnê de despedida chegar ao Panamá. "Já passamos por lá algumas vezes em escalas [de avião], mas agora vamos ter essa oportunidade", diz Kisser.

O levantamento foi feito a partir dos dados de 2.337 shows registrados no site Setlist.fm, uma plataforma colaborativa alimentada e revisada por fãs. Inconsistências foram revisadas e contrastadas com informações fornecidas pela assessoria da banda.

O número de destinos visitados poderia ser maior. O Sepultura foi proibido de tocar no Egito, em 2016, e no Líbano, em 2019.

Na primeira ocorrência, autoridades interditaram o palco por falta de documentação - o país já tinha um histórico de repressão a fãs e bandas de heavy metal. Na segunda, os integrantes tiveram os vistos negados sob alegação de que seriam adoradores do diabo e apoiadores de Israel.

A banda havia passado por situação parecida no início dos anos 1990, no Peru, onde agora já somam três apresentações. "Tivemos um show cancelado em Lima por essa coisa da censura religiosa", diz o guitarrista.

Naquele momento, o Sepultura já era reconhecido fora do Brasil no ramo do metal. Cantando em inglês desde as origens, o grupo fez muito barulho na cena e não demorou a chamar a atenção da gravadora americana Roadrunner, em 1989. O disco "Beneath The Remains", produzido no Rio de Janeiro, motivou a primeira excursão na Europa e na América do Norte.

"Arise", gravado nos Estados Unidos, levou a banda ainda mais longe, com viagens inéditas para países da Oceania e Ásia, em 1992. A recepção na Indonésia, onde o trabalho renderia o primeiro disco de ouro do grupo, fez os integrantes se sentirem como John Lennon e Paul McCartney.

"Fomos perseguidos pelos fãs durante os dez dias que passamos lá, era tipo uma 'beatlemania' mesmo. Tocamos em estádio para mais de 60 mil pessoas", diz Kisser.

Se até ali a nacionalidade parecia limitada aos passaportes dos integrantes, isso mudou no álbum "Chaos A.D." (1993), ao qual incorporaram ritmos brasileiros e tribais, encontrando enfim um som original. O Sepultura estava na vanguarda do estilo quando quase se cruzou com os Doces Bárbaros em Londres, às vésperas de se tornar a primeira banda do Sul Global a tocar no festival Monsters of Rock, para 70 mil pessoas, dividindo o palco principal com Aerosmith, Pantera e Extreme.

O ápice se deu com "Roots", de 1996, sua obra mais ousada. Com afinações mais graves e referências tribais elevadas ao máximo, o disco alcançou a 27ª posição da Billboard entre os mais vendidos nos Estados Unidos.

"Sonoramente, foi o álbum mais poderoso que já ouvi", disse Dave Grohl, líder do Foo Fighters, à Mojo Magazine em 2017. "Virou a referência para todos os álbuns que fizemos durante dez anos."

O disco produzido por Ross Robinson - que também já havia trabalhado com o Korn - é frequentemente apontado como um divisor de águas para o que viria a ser o nu metal, ou new metal, subgênero mais popular do heavy metal nos anos 2000.

Mas mudou também os rumos da própria banda, pois aquela turnê acabaria de forma precoce após uma ruptura interna e a saída do vocalista Max Cavalera.

O Sepultura jamais voltou ao mesmo patamar de sucesso e influência global depois da separação, mas continuou alcançando novos horizontes na era Derrick Green. Ainda que tocando para públicos menores, a banda seguiu ampliando a contagem de praças inéditas visitadas a cada turnê: mais precisamente 14 países até a saída do baterista e cofundador Iggor Cavalera, irmão de Max, em 2006, e outros 25 desde então.

A média é de um show internacional a cada seis dias, mesmo sem retirar da conta períodos de férias e os dois anos de inatividade durante a pandemia da Covid-19, além das pausas em 1995 (nascimentos de filhos e produção de "Roots") e 1997 (entre a saída de Max e a entrada de Derrick).

O histórico revela ainda que, à sua maneira, o Sepultura levou elementos do Brasil aos quatro cantos do planeta. Entre as mais tocadas ao vivo pela banda estão canções como "Ratamahatta", uma parceria em português com o cantor baiano Carlinhos Brown; uma versão pesada de "Polícia", dos Titãs; o instrumental "Kaiowas", inspirado na resistência do povo guarani; "Guardians Of Earth", sobre a defesa da floresta amazônica pelos indígenas; e um cover de "Da Lama ao Caos", de Chico Science & Nação Zumbi.

 

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