Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

O 'Star Wars' lisérgico de David Lynch

O jovem David Lynch entre Sting e Kyle MacLachlan nos sets de 'Duna' | Foto: Divulgação

Às vésperas de chegar às telas, a Parte II da versão do canadense Denis Villeneuve para o romance de tom sci-fi "Duna", de Frank Herbert (1920-1986), abriu o interesse dos streamings em resgatar o que há de adaptações do escritor para o audiovisual. Esse balaio inclui uma versão tempestuosa de seu livro mais famoso feita por David Lynch.

Kyle MacLachlan, o ator fetiche do cineasta nos anos 1980, foi escalado para viver o messiânico aristocrata das estrelas Paul Atreides em um longa-metragem que marcou época por sua desastrosa carreira e por um visual considerado cafona para a era em que os efeitos visuais se tornaram essenciais.

O realizador de "Veludo Azul" (1986), hoje envolvido com o projeto de série "Unrecorded Night", chegou a refutar a autorização para deixar sua assinatura em um formato estendido, proposto e exibido pela TV americano, do que filmou a partir da literatura de Herbert. Esse formato ampliado, com cerca de 50 minutos a mais do que o corte original, com duas horas e 17 minutos, chegou a ser editado em DVD, sendo disputado pelos cinéfilos de DNA lynchiano.

Mas, confusões à parte, a produção tão... exótica... filmada por ele em meados da década de 1980 está de novo no meio de nós, podendo ser comprado via YouTube E o tempo lhe fez bem, pois é difícil não se divertir com sua bizarrice e com a presença do cantor Sting no elenco. Infelizmente, a versão disponível nas plataformas digitais não preservou a dublagem original, com Garcia Júnior emprestando o vozeirão a MacLachlan.

Ainda sob o impacto da trilogia original de "Star Wars", lançada por George Lucas de 1977 a 83, o produtor italiano Dino De Laurentiis (1919-2010) farejou nos parágrafos de Herbert uma mina de ouro. Antes de Lynch ser convocado para pilotar essa narrativa, vários nomes famosos foram cotados para pilotar o épico futurista messiânico sobre um jovem aristocrata, Paul Atreides (MacLachlan, em sóbria atuação), filho do Duque Leto (Jürgen Prochnow), cuja missão é guiar seu povo na busca pela Especiaria (chamado "tempero" em algumas traduções). Trata-se de uma substância capaz de garantir a sobrevivência de sua raça. Saído do sucesso de "Alien - O Oitavo Passageiro" (1979), Ridley Scott foi um dos talentos cotados para rodar o longa. Só não assumiu o compromisso por problemas pessoais que o afastaram dos sets por um período que coincidia com a rodagem prevista por De Laurentiis. Antes dele, Jack Nicholson, que se meteu a cineasta em "Com a Corda No Pescoço" (1978), chegou a ser cogitado para pilotar essa ficção cientifica de tintas lisérgicas. Mas os ventos do bom senso varreram as pretensões mais surrealistas de Nicholson para longe, uma vez que Dino não via no ator a retidão ideal pra assumir um longa daquele porte. Houve ainda um projeto de "Duna" concebido pelo cineasta, quadrinista, escritor e xamã chileno Alejandro Jodowski, trazendo Orson Welles, David Carradine e - acredite ou não - Salvador Dalí para o elenco. Mas Herbert se incomodou com as... "liberdades criativas" do diretor de "El Topo" (1970), que é também quadrinhista. Sem o carimbo de aprovação do escritor, Jodorowsky saiu da empreitada. Apesar disso, a concepção espacial que Jodorowsky esboçou com o apoio da quadrinista Jean "Moebius" Giraud foi mais tarde aproveitada na forma de uma HQ seminal: "O Incal".

Na busca de um diretor com a cabeça fresca de ideias para rodar "Duna", Dino De Laurentiis resolveu convocar o responsável pelo aclamado "O Homem Elefante" (1980), que havia sido indicado ao Oscar e estava em seu apogeu. Com um orçamento que inflacionou até beirar US$ 45 milhões, investidos em uma filmagem tortuosa, que durou de 29 de abril de 1983 a 8 de fevereiro de 1984, "Duna" foi um fracasso comercial doloroso para Dino De Laurentiis e seus associados. Nas bilheterias, o longa, cujas locações forma buscadas na Califórnia e no México, teve uma arrecadação de cerca de US$ 27, 4 milhões. Apesar dessa decepção financeira, um clássico trôpego nasceu ali, com a assinatura autoral de Lynch, em seu olhar para o sonho.

 

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