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Um chamamento à memória

Os orixás das religiões de matriz africana aparecem com frequência em 'Cantando Memórias', álbum autoral que marca a estreia fonográfica de Zilá Lima | Foto: Divulgação

Uma viagem musical que tem os ritmos brasileiros e a herança cultural africana como maiores inspirações. Este é o primeiro álbum da cantora, compositora e berimbalista carioca Zilá Lima, "Cantando Memórias" (Kuarup).

Zilá apresenta 13 canções autorais - com produção musical de Celsinho Silva, arranjos de Rogério Souza e músicos como Bebê Kramer (acordeon), Eduardo Neves (flauta), Jefferson Lescowich (baixo), João Camarero (violão 7 cordas), Luis Barcelos (bandolim) e João Lyra (viola), entre outros, que trazem como temas a diáspora africana, as manifestações culturais afro-brasileiras e a espiritualidade, atravessados por ritmos como samba, samba de roda, canção praieira, ijexá e até afro-choro e afro-bossa, criando um caldeirão cheio de tempero musical, que exalta a ancestralidade.

O lançamento será celebrado com show neste sábado (21), às 12h, no Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, na Gamboa, com entrada franca.

Outro destaque do álbum é a capa, assinada pelo designer Elifas Andreato e que tem como cerne a figura do pensador angolano, imagem de origem Tchokwe e símbolo da cultura nacional de Angola, que representa a sabedoria, a experiência de longos anos vividos e o conhecimento dos segredos da vida. Andreato, um dos mais tarimbados criadores de capas de discos da MPB, deixou a arte pronta antes de falecer, em 2022, sendo este um dos seus últimos trabalhos.

A maioria das canções de "Cantando Memórias" foram compostas primeiro com o berimbau, instrumento que acompanha Zilá desde muito cedo, quando aos 12 anos, começou a praticar capoeira e a conhecer suas tradições, rituais e cantigas. Foi a capoeira que a levou a compor, inspirada pelas histórias que a sua mãe, nascida e criada na região onde se situava o Quilombo dos Palmares, em Alagoas, contava, nutrindo a artista com memórias ancestrais e histórias de escravizados passadas por gerações.

"Desde menina sinto uma grande necessidade de me fazer presente nas lutas antirracista e pela liberdade religiosa. Encontrei na música o melhor jeito de passar esta mensagem. Esse disco é parte da minha vontade de transformar em poesia e som, as histórias que sempre ouvi e que me nutriram de amor e de respeito pela cultura originária africana", afirma a artista, que também integra a Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, da OAB-RJ, e que também é servidora do Arquivo Nacional.

"Flor D'Água", um "afro-choro" em parceria com Saulo Ligo, fala sobre o encontro com a própria essência, a ancestralidade e sobre o necessário mergulho interior para que o melhor possa emergir. A canção, escolhida para ser a música de trabalho, também faz referência à Iabá Oxum, que tem seu dia comemorado na data do lançamento do álbum.

Os orixás das religiões de matriz africana aparecem com frequência em "Cantando Memórias", bem como recortes afetivos e históricos de memórias do povo negro. "Foi no Valongo", por exemplo, apresenta uma narrativa sobre a história do Cais do Valongo, na Zona Portuária.

"No álbum, chamo a atenção para a riqueza cultural afro-brasileira. Também reverencio as religiões de matriz africana e suas importantes figuras e entidades, além de heroínas e grandes mulheres da nossa história. Sinto que trazer à luz o que nos foi negado na escola é uma importante missão", explica Zilá.

Outro destaque do disco é a faixa "Saudade", uma "afro-bossa" que relembra a trajetória da rainha africana Nzinga Mbandi Kia Mbandi, conhecida como Rainha Ginga, além da música "Conceição Evaristo", que homenageia a premiada escritora e uma das heroínas da luta antirracista.

Do início ao fim, "Cantando Memórias" propõe uma espécie de viagem, que começa com a primeira faixa, "Ô de Casa", um samba de roda que remete à travessia atlântica África-Brasil, e que termina com "Vou Voltar Pra Angola", samba que descreve o sonhado retorno. A faixa-bônus "Mãe África" é um ijexá que homenageia a África como a mãe do mundo, onde a humanidade surgiu, encerrando a viagem musical proposta pela artista e homenageando importantes mulheres negras de todos os tempos.

Apesar do ritmo alegre na maioria das músicas, o álbum traz potentes reflexões em suas letras. "É um disco com muito samba e ritmos brasileiros. As músicas, além de trazerem mensagens positivas, propõem reflexões intensas sobre a história do povo negro e as nossas heranças culturais. É um convite a dançar, a ser feliz e também a refletir. É um chamamento para nos engajamos na luta contra o racismo, a favor da liberdade religiosa e pelo direito de todos conhecerem a verdadeira história africana e afro-brasileira", defende Zilá.

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