'Meu interesse não é o nicho, é o grande público'

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Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã

Letrista brilhante na fusão do humor com a inquietação política, apostando mais na libertária força da imaginação do que na crônica, Rogério Skylab, aos 66 anos, tem show para fazer em Brasília, no início de dezembro (11/12, no Infinu Comunidade Criativa), ao mesmo tempo em que se dedica a um podcast, chamado "Contemporâneos", dedicado a discos seminais.

Teve tempo ainda para escrever e publicar, agorinha mesmo, um livro de ensaios sobre o escritor Henry James (1843-1916), autor de "Retrato de Uma Senhora", que lançou pela editora Kotter. Na URL https://kotter.com.br/, rola comprar "A Outra Volta da Outra Volta", em que o cantor e compositor por trás de canções como "Matador de Passarinho" (título do programa de entrevista mantido por ele no Canal Brasil, na década passada) esmiúça segredos da prosa moderna. Ele publicou ainda "Lulismo Selvagem" e "Debaixo das Rodas de um Automóvel".

Na entrevista a seguir, Skylab - que é um carioca do Rio Comprido - fala ao Correio sobre livros, sobre a pandemia e sobre fazer música num país assombrado pelo elitismo.

Seu livro mais recente gravita pelas franjas da crítica e da teoria literária para falar da obra de Henry James, abordando a narrativa do autor de "As Asas da Pomba" e "A Herdeira". Qual é a sua abordagem e que livros dele você sugeriria como caminho para quem quiser conhecê-lo?

Rogério Skylab: O livro mais famoso dele é "A Outra Volta do Parafuso". Fora esse, sugiro "Os Embaixadores", que foi traduzido aqui por um especialista na prosa dele, Marcelo Pen. Pouco estudado e pouco valorizado por aqui, Henry James está entre os escritores que demarcaram a passagem do século XIX para o XX, assim como o nosso Machado de Assis, encontramos o início do Modernismo. Todas as experimentações modernas, como é o "fluxo de consciência" de James Joyce, já estão anunciadas em sua vasta obra. Eu costumava acha-lo clássico demais até ler o que (o filósofo Gilles) Deleuze fala sobre ele. Ali, caí pra trás e fui me debruçar sobre a sua obra.

Paralelamente à essa imersão literária, você segue fazendo shows. Tem um agendado para o dia 11 de dezembro, em Brasília, na casa Infinu. O que compõe essa turnê e o que você tem para lançar em CD, neste momento em que seu primeiro disco, "Fora da Grei", completa 30 anos?

Estou apresentando o meu último álbum, o "Caos e Cosmos 2". Já tenho um álbum gravado para lançar no próximo ano, pois eu trabalho de forma bem antecipada. O meu show, evidentemente, vai trazer repertório do meu último álbum, mas vai trazer faixas de toda a minha trajetória.

Sou uma pessoa que produziu aproximadamente 30 discos e que estão nas plataformas digitais. Boa parte deles foi lançada fisicamente. Sou da era do CD. De um tempo para cá, parei de produzir e comecei a lançar por streaming. Sou alguém que vem trabalhando por muitos anos, estou aproximadamente uns 30 anos. Produzi meus discos de ano em ano. ou a cada dois. Hoje, tenho uma discografia extensa.

Que mundo você retrata no repertório de seu novo show? O que ele guarda de referência da covid-19, como crônica desse tempo?

O meu trabalho está ligado ao imaginário e a crônica não tem muita força nele. Cada um viveu a covid de forma diferente, principalmente se formos dividir a sociedade por segmento social. O trabalhador viveu a covid de forma diferente da minha: ele não podia parar. Em 2020, no início da pandemia, entrei em desespero e abandonei o Rio de Janeiro, pois eu não sabia onde iria dar aquilo. Fui morar no interior de Minas, no sítio da família da minha mulher. Era aquela reclusão absoluta. Mas a reclusão para mim foi extremamente criativa. Uma boa parte do repertório do disco "Caos e Cosmos 1" foi produzido em processo de quarentena. Eu produzi repertório para dois discos em poucos dias. Em 15 dias produzi umas 70 canções. Mas a reclusão teve outras fases. Eu tinha uma rotina que abandonei até hoje. Quando vou ao supermercado, não fico muito à vontade. A covid, imaginariamente, continua presente dentro de mim. É como se eu tivesse traumas dela.

Há espaço pra se falar da era Bolsonaro na sua obra? O que há de político nela?

A era bolsominion, que começou em 2018, coincidiu com o processo de feitura do meu livro "Lulismo Selvagem". Ele foi produzido com o desencantamento que foi a derrota do Haddad. Essa questão "do que há de político" é louca. Já houve momentos em que penso que meu trabalho seja essencialmente político. Nós viemos de uma tradição marxista muito forte. Mas, ao estudar o filósofo Jean-Luc Nancy, que venho lendo muito, encontrei um texto em que ele fala: "O papel da política é apenas administrativo". Eu tenho canções como "Buceta Bradesco", em que é inadmissível não encontrar linhas políticas. A linha política é muito forte em mim, mas sempre com essa ressalva. A ressalva de que nem tudo é política.

Depois do programa do Canal Brasil, "Matador de Passarinho", como ficou a sua relação com outras mídias?

Fiz três temporadas do "Matador de Passarinho". Foram mais de 80 entrevistas. Aquela experiência no programa é muito forte. Foi ali que pude contactar pessoas com as quais pude trabalhar depois. Hoje eu, tenho um podcast chamado "Contemporâneos", sobre grandes discos. Sou eu, o Marcos Lacerda e o Paulo Almeida como mediador. Cada episódio é dedicado a um disco diferente, mas estamos tratando de artistas contemporâneos tipo Otto e Céu. Estou com os ouvidos abertos a essa turma de artistas e estou estudando-os.

Assim como o "Contemporâneos", que está no Spotfy, o programa do Canal Brasil te abriu espaço para um outro público. Teus livros, como esse do Henry James, também podem te levar a outros interlocutores. Mas e na música, onde você segue lotando espaços grandes? Pra quem você canta e em que estilo você se encaixa?

Existe um processo elitista nesse processo de se fazer casas pequenas para um público seleto. Existem casa muito bacanas, para artistas contemporâneos, mas eu quero conversar com o grande público. Eu me apresentei no Rio recentemente, num show muito bem-sucedido no Circo Voador. É evidente que não sou artista de massa. Não uma Anitta ou Ivete Sangalo. Mas o meu interesse é o grande público e não o nicho. Claro que o cara da universidade faz parte representativa do meu público, mas eu não quero só ele. Quero falar com mais pessoas. Meu interesse não é o nicho, é o grande público. Eu venho falando muito sobre isso em podcasts, que têm sido muito importantes. Meu caminhar na música foi lento, por não ter a indústria comigo. Ainda encontro muitas resistências, em algumas curadorias e no próprio círculo artístico. Até na mídia. É uma luta que travo há anos, mas sempre fui progredindo.