Adeus, meu talentoso amigo Paulo Andel

Por Affonso Nunes*

Paulo-Roberto Andel era um aglutinador de pessoas em torno da música, da literatura e do Fluminense, clube ao qual dedicou parte de sua obra

Em dias como a última sexta-feira, 28 de novembro, tricolores dos quatro cantos da Terra estavam exultantes com a sonora goleada aplicada sobre o São Paulo e que selou a ida do Fluminense a mais uma Copa Libertadores. Mas acontece que um deles não estava mais entre nós. Paulo-Roberto Andel nos deixou naquela manhã após uma internação relâmpago. Escritor, poeta, historiador e livreiro, ele colaborou com este caderno desde 2019 com suas crônicas que olhavam para o Rio, o Brasil e para a cultura sob o viés da sensibilidade e solidariedade humana.

Visitado pela tristeza, demorei a encontrar ânimo e palavras para descrever o amigo que conheci nas arquibancadas do Maracanã que um certo dia me convidou para escrever uma crônica sobre minha memória do célebre Fla-Flu de 1995, aquele do gol de barriga, para uma coletânea que ele estava preparando. Foi o autor que mais dedicou livros sobre a trajetória do clube. Mas escrevia poemas, crônicas e montou sua própria editora para singrar os incertos mares do mercado editorial, a Vilarejo.

Estatístico de formação, tinha gosto literário e musical refinadíssimos e decidiu abriu um sebo, o X, na Praça Tiradentes. Costumava visitá-lo lá, entre livros, vinis, CDs, DVDs e fitas cassete. Não havia como não gastar boas horas vasculhando o acervo e jogando prosa fora com aquele sujeito de blusão, bermudas e sandália, seu traje oficial desde que deixou trabalho buracrático no Sinduscon.

Andel foi criado em Copacabana lá pelos anos setenta e dessa época guardava suas mais doces memórias, presentes em seus livros e em várias crônicas neste espaço. A Uerj, onde se graduou, também habitava seu edifício de nostalgias assim como a incurável saudade dos pais. Depois migrou para o Centro e testemunhou de perto sua decadência a partir de suas caminhadas de casa ao sebo e pelos arredores. Também era figura carimbada nas atrações musicais gratuitas do Espaço BNDES, reduto de apresentações de qualidade.

Em seus textos mais recentes, travou batalhas verbais acirradas contra alguns inimigos: a ganância dos poderosos, a falta de solidariedade e empatia, a futilidade das redes sociais, o egoísmo, a miséria, a fome, o ódio, o negacionismo e todas as formas de preconceito. Por vezes se revelava cansado de um mundo tão injusto, mas fazia desse sentimento o motor de uma ira santificada ainda que fosse ateu convicto.

Há duas semanas deveria ter me enviado um texto novo, mas pediu desculpas alegando não estar se sentindo bem. Dias depois lhe escrevo pedindo notícias. A resposta não veio porque não lhe havia chegado. Estava internado desde o dia em que amigos próximos foram à sua casa e o encontraram em rasgos de consciência.

Talvez o Paulo achasse que não tinha mais lugar nesse mundo de injustiças, mas é a injustiça que não cabe por aqui. Que sua inteligência e talento frutifiquem entre nós.

 *Editor do #CM2