CRÍTICA / LIVRO / O IMPERADOR DA FELICIDADE: Uma voz dosanti-heroisdo capitalismo

Por Isabela Yu (Folhapress)

Ocean Vuong diz que já se viu em becos sem saída

Da sua casa na região de New England, nos Estados Unidos, Ocean Vuong conta que o clima começou a esfriar, e as folhas no chão mostram que o outono chegou. É a sua temporada favorita. "Estamos nos preparando para o Dia de Ação de Graças, é uma época aconchegante, vejo como a estação do escritor", diz por telefone. A rotina caseira vem a calhar. Desde maio, o vietnamita-americano rodou o país e a Europa para divulgar "O Imperador da Felicidade", que acaba de sair pela Rocco.

Vuong foi reconhecido pela crítica - recebeu a "bolsa para gênios" da Fundação MacArthur - e abraçado pela cultura pop. O novo romance mostra Hai, de 19 anos, do outono à primavera. Prestes a cometer suicídio, é dissuadido por Grazina, mulher lituana octogenária com demência. Esquecidos pelas famílias e pela sociedade, eles se tornam amigos e dividem intimidades ao morarem no mesmo espaço. "As pessoas acham essa história exótica, mas o cuidado intergeracional é comum em famílias asiáticas. Sem essa bagagem cultural, talvez ele tivesse vergonha, mas não sou branco, então não consigo imaginar esse cenário."

O trabalho absorve ideias de seu primeiro romance, o premiado "Sobre a Terra Somos Belos por um Instante" (2019). Levando a cadência da poesia à prosa, a obra foi traduzida para 40 idiomas. Há ecos entre as duas histórias, já que ambas bebem da vida do escritor de 37 anos que estreou com a coletânea de poemas "Céu Noturno Crivado de Balas" (Ed. Âyiné).

Nascido em Saigon, Vuong cresceu no estado americano de Connecticut e, assim como Hai, também se viu em becos sem saída, lidou com o abuso de drogas e trabalhou em redes de fast food. Nesse período, testemunhou colegas escolherem entre a criminalidade e o salário mínimo. "Um amigo me convidou para vender drogas, e eu fui. Enquanto estava no carro, percebi como estava nervoso e não ia conseguir fazer aquilo, mas esse caminho fazia sentido para muita gente", lembra o autor. O uso de drogas funciona como válvula de escape da realidade, mas o humor também pode ser medicamento. "As mulheres da minha família contavam histórias traumáticas sobre o passado e o ar ficava tão denso que elas riam. Era um jeito de entender como a violência era absurda", lembra.

Ainda que a vida seja dura e os personagens sejam pobres, eles podem se amparar uns nos outros. 'A maioria das pessoas é frágil e medrosa", diz o protagonista. "Basta conversar com alguém por mais de meia hora para perceber que tudo o que essa pessoa faz é uma farsa para evitar que ela desmorone".

Para os anti-heróis do livro, a falência do Estado e os sintomas do capitalismo são sentidos na pele - essas pessoas não têm reviravoltas ou ascendem de classe. Dia após dia, batem ponto no trabalho e tentam não sucumbir. Seus dois últimos livros têm um quê de romance de formação, com protagonistas recém-saídos da adolescência que não se sentem em casa no seu país. "Apenas os poderosos e bem-sucedidos têm suas juventudes celebradas, as pessoas nas margens não recebem o mesmo tratamento. Quis escrever um contraponto a isso."

"Meus personagens nunca fariam algo que eu mesmo não considerei fazer. A beleza da ficção é criar experimentos e simulações, ver personagens em situações que eu nunca vou viver. Tenho apenas um rascunho da minha vida, mas eles podem ter 15 versões", comenta o autor.

Divulgação - O Imperador da Felicidade, de Ocean Vuong