Godofredo de Oliveira Neto: 'A juventude lê pouco, muito pouco'

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Godofredo de Oliveira Neto, imortal da ABL

Considerado pela crítica um dos exercícios de maior visceralidade da obra do catarinense de Blumenau Godofredo de Oliveira Neto, "A Ficcionista" ganhou tratamento editorial primoroso e chega às livrarias nacionais com direito a sessão de autógrafos na noite desta segunda-feira, a partir das 19h, na Livraria da Travessa de Botafogo.

A trama parte de em escritor em busca de histórias, de ideias, de fatos, de vida. Do outro lado do ringue da invenção, encontra-se uma mulher com a vontade de potência em ponto de ebulição. Com hora marcada, por um valor combinado, os dois estabelecem uma espécie de acordo. Nasce uma fricção entre escritor e personagem. Durante dez dias, registra-se, no convívio deles, a luta entre factualidade e verossimilhança, desejo e delírio, relato e devaneio. Há lugar para drogas, messianismo, assalto, polícia, música, sexo, espiritualidade, loucura e morte nas trocas que se estabelecem, gerando um grande livro, aliás, mais um na bibliografia de um escritor e professor da UFRJ que virou imortal da Academia Brasileira de Letras tanto por sua esgrima com o verbo quanto por seu inestimável préstimo ao ensino público. Só "O Bruxo do Contestado" (1996), a obra-prima de Godofredo - com aroma de Euclides da Cunha, mas identidade própria - já bastaria pra que ele fosse "imortalizado". Mas ele segue escrevendo, cada vez mais faminto de (re)invenção.

Aos 74 anos (46 deles vividos no Rio), Godofredo tem planos de oferecer à pós-graduação da Faculdade de Letras, no Fundão, no semestre que vem, um curso de Literatura e Cinema. Vai passar por Machado de Assis, pelo já citado Euclides de "Os Sertões", por Graciliano Ramos, por Cruz e Souza. São "amigos imaginários" que o educador mantém a seu lado há décadas, na sala de aula e no escritório onde fabula, num afeto longevo pela arte da leitura. Arte que ele transformou em profissão depois de lançar pérolas como "Pedaço de Santo" (1997), "Menino Oculto" (2005), "Grito" (2016) e "O Desenho Extraviado de Hieronymus Bosch" (2023).

O papo a seguir antecipa que ficção ele busca criar para empolgar a juventude.

De que maneira "A Ficcionista" se articula com a sua trajetória literária e o que esse livro apresenta de investigação sobre os poderes analgésicos da ficção?

Godofredo de Oliveira - O leitor/a leitora busca sempre um ato de comunicação literária. A obra de ficção pode ser lida como um pianista lê uma partitura. Se esse leitor não souber o solfejo, ele não precisa saber, a narrativa o vai empurrando para uma leitura, não necessariamente a mesma lida por todos. "A Ficcionista" vai provocar questões quanto à verdade, ao real e à ficção. O livro, acabará, pela sua arquitetura, provocando o leitor a se dar conta que a ficção não imita o real, antes compete com esse real.

Em seu processo de escrita... seja no ensaio ou na prosa literária de ficção... que componentes de pesquisa norteiam o seu olhar?

O que me dirige é a constatação de que tanto a narrativa ficcional quanto a histórica são, para quem lê, maculadas por pensamentos internos ideologizados e psicanalíticos. O/A historiador/a e o/a ficcionista lutam com vigor para a isenção do leitor/a.

Qual foi o livro que fez o senhor amar os livros? Existe algum livro do qual o senhor não se liberta nunca, por reverência e por dívida artística?

"Memórias Póstumas de Brás Cubas", "Madame Bovary" e, atualmente, "A Hora da Estrela".

Existe uma ideia de Brasil consciente para o país que transpira na sua literatura? Que brasilidade é a sua?

Sempre um Brasil consciente, mas tentando fazer de um jeito que a literatura nunca perca a sua autonomia... nunca. Por exemplo, quanto a personagens negros, tentando assim contribuir para uma nação coesa e democrática: a personagem Antônia Casamança, em "O Bruxo do Contestado"; o Lázaro, no "Amores Exilados"; o negro Tião, do romance "Marcelino" e Luigi, no meu recente "O Desenho Extraviado de Hieronymus Bosch", que vai abraçar o movimento negro na sua volta dos Estados Unidos. Eles são todos personagens que apaziguam a narrativa, têm pés no chão e lutam. É também a minha luta por um país mais justo e livre.

No seu ofício de escritor e de professor, como o senhor avalia a relação do mercado editorial brasileiro hoje com quem escreve e com quem lê?

A notícia boa é que o e-book não matou o livro em papel, como se temia. Mas a juventude lê pouco, muito pouco, e as escolas, em geral, deixaram de ter o paradidático como fundamental e obrigatório no ensino, e não apenas como um capricho. Isso é dramático. Criar ficção e ouvir ou ler ficção dos outros faz parte da vida, como se alimentar e hidratar.