Por causa do artigo anterior, marxistas ortodoxos, com foice e martelo, invadiram minha casa e ordenaram que, de joelho, falasse "a luta de classe existe". Disse-lhes: existe-e-não existe ao mesmo tempo. Foi quando um falou alto "uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo". Caso siga o terceiro excluído ou o princípio da não contradição de Aristóteles, respondi, você só irá ver a luta política de forma dualista.
Ajoelhado e, sobre minha cabeça, a foice e o martelo, tive de argumentar que existe uma lógica para além do terceiro excluído, ou seja, a luta de classe não se reduz ao confronto direto, aberto, à oposição entre opressor e oprimido ou ao fechado código binário verdade-falsidade. Para além do dualismo do marxismo vulgar, que é o mesmo de Aristóteles, existe um pensamento que admite, ao mesmo tempo, algo ser verdadeiro-e-falso, vale dizer, pensamento esse que aceita, para além do dualismo, o terceiro [elemento] incluído, e não o terceiro excluído. Diria Nietzsche que é um pensamento para além do bem e do mal.
Quem segurava a foice pediu exemplo concreto. Foi quando lhe disse que, se você leu "A Arte da Guerra", Sun Tzu mostra no capítulo 13 que, para além da guerra clássica, que é a guerra de um contra o outro, existe a guerra sem guerra, isto é, o inimigo se identifica com o seu opositor, sendo, ao mesmo tempo, amigo-e-inimigo. Só existe a guerra sem guerra porque a figura do guerreiro movimenta-se "entre" amigo-e-inimigo, fazendo uso do terceiro elemento.
"Não lemos Sun Tzu, lemos só Marx", afirmou o líder deles. "Me dá um exemplo com o que Marx escreveu", ordenou quem segurava o martelo. Pedi para pegar na minha biblioteca o "Manifesto do Partido Comunista". "Pode pegar e volte a ficar de joelho". Logo no início, Marx escreve que existe a luta de classe aberta e a luta de classe disfarçada, mas ele não detalha essa luta não aberta, luta essa que se esconde como luta, a ponto de não haver luta de classe, mas ela está lá em "O 18 brumário de Luís Bonaparte". "E por que não existe luta de classe?". Porque, quando o opressor se identifica com o oprimido - ou o oprimido, com o opressor -, ele é, com o mesmo rosto, amigo. "Mas isso é a figura do traidor". Isso mesmo: a luta de classe disfarçada é a luta de quem é traidor, luta de quem se disfarça com o próprio rosto e, se não for [des]coberto, ele não existe como traidor, já que é amigo.
"Estamos confusos, precisamos reler Marx". Estou vivo.