CRÍTICA / LIVRO / MINHA VIDA DE RATA: Desamparo à americana
A norte-americana Joyce Carol Oates é figurinha fácil nas listas de apostas do Nobel de Literatura, que, até hoje, não ganhou. Aos 87 anos e uma obra de cerca de 60 romances, coleciona premiações literárias em seu próprio país e se mantém em atividade, lançando, em média, dois livros por ano, além de fazer oposição clara à política de Donald Trump. Nada mais natural, visto que seus personagens, geralmente, transitam pelo inverso da "América Grande" trumpista.
Se algumas de suas histórias transitam do gótico ao fantástico, a maioria é de um realismo doloroso e raramente divulgado pelos meios de comunicação de seu país. A área rural no norte do estado de Nova York, que abrange os condados de Erie e Niagara, onde a escritora cresceu, é o cenário de boa parte de suas histórias, mostrando o choque de um utópico estilo de vida americano, estacionado em valores dos anos 1950, com a soturna realidade contemporânea. Seus protagonistas, geralmente, são brancos pobres, que sobrevivem em subempregos. As raras pessoas bem-sucedidas até procuram juntar-se aos menos afortunados, mostrando a condescendência natural de quem não se preocupa em contar o dinheiro da passagem. Mas as diferenças se acentuam até na resistência dos mais carentes à amizade com os "bem-nascidos".
Nessa América branca, de religiosidade mais conveniente do que convicta, a agressividade torna-se forma de expressão. As famílias numerosas se apoiam incondicionalmente, ainda que a convivência seja pautada pela violência. Quem põe a ordem social acima dos laços de sangue, é exilado, como ocorre com Violet Rue em "Minha vida de rata" (Harper Collins, R$ 54,70). Aos doze anos, ela é separada da família por revelar à polícia a localização do taco de basebol usado para matar um colega de escola. O adolescente, negro, aluno e atleta exemplar, foi espancado por dois irmãos e um primo da menina. A família imediata volta-se contra Violet, que tem de morar com a tia materna, mantendo contato epistolar com as irmãs, sem voltar a ver os pais por décadas.
O desamparo ronda esses personagens, tratados com indiferença pelo Estado. O cansaço pelas longas jornadas de trabalho ou o desânimo diante da solidão faz com que muitos desistam da educação, única forma de ascensão social, geralmente desprezada pelos provedores de baixa renda. A classe trabalhadora branca e deprimida destila ódio xenófobo, machista e racista, atribuindo sua própria decadência aos imigrantes, às mulheres e aos negros. Apesar da melancolia transbordar em suas crônicas desses tempos de fim do império americano, Joyce Carol Oates conquista o leitor pela destreza em tecer o drama desesperançado de quem só quer sobreviver, a despeito do abandono.