Cinco vozes lusófonas para se conhecer na Flip
Autores de Portugal, Cabo Verde e Brasil trazem levam a Paraty narrativas sobre resistência, memória e transformação social
Em sua primeira edição sem a presença de autores de língua inglesa, a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) 2025 oferece ao público a possibilidade de conhecer cinco autores de língua portuguesa que, cada um à sua maneira, exploram territórios literários urgentes e necessários. São eles: a portuguesa Anabela Mota Ribeiro, o cabo-verdiano Joaquim Arena e os brasileiros Cecília Oliveira, Danichi Mizoguchi e Renato Noguera.
Reconhecida jornalista e entrevistadora da televisão portuguesa que faz sua estreia como romancista na Flip, Anabela chega a Paraty com "O Quarto do Bebê" (Ed. Bazar do Tempo), uma autoficção que causou grande repercussão em Portugal em 2023. A obra, elogiada por nomes como Lídia Jorge, Djaimilia Pereira de Almeida e Milton Hatoum, mergulha em temas delicados como infertilidade, a experiência do corpo feminino e a descoberta de um câncer de mama. "A escrita se tornou uma forma de resistência, uma maneira de dar sentido ao que parecia incompreensível", diz a autora, que encontrou na força ambígua da obra machadiana - objeto de seus estudos de mestrado e doutorado - inspiração para construir sua narrativa. Sua participação na mesa "Tristes Tramas", ao lado da francesa Neige Sinno, promete ser um dos momentos mais tocantes da programação oficial.
Joaquim Arena traz duas obras fundamentais: "Siríaco e Mr. Charles", com o qual conquistou o Prêmio Oceanos em 2023, e "Debaixo da Nossa Pele", ambos publicados pela Editora Gryphus. Numa espécie de road movie literário pelo interior português, Arena investiga a presença negra na Europa ao longo dos últimos cinco séculos, entrelaçando histórias de personagens apagadas pelas narrativas oficiais à sua própria experiência como imigrante cabo-verdiano em Lisboa. "Estas são histórias que precisavam ser contadas, vidas que foram sistematicamente invisibilizadas pela história oficial", afirma o escritor, considerado uma das vozes mais importantes da literatura contemporânea de língua portuguesa.
A jornalista Cecília Oliveira estreia na literatura com "Como Nasce um Miliciano" (Ed. Bazar do Tempo), resultado de uma investigação profunda sobre o crime organizado brasileiro. Partindo da trajetória real de um ex-policial militar que se tornou líder miliciano, a autora desvenda os mecanismos de infiltração das milícias nas estruturas estatais e revela o modelo de "franquia" adotado por essas organizações para expandir seu domínio territorial. "O que descobri durante a investigação foi um sistema muito mais sofisticado e perigoso do que imaginávamos", revela Cecília, que utilizou documentos sigilosos e desenvolveu infográficos inéditos para mapear essa rede criminosa que ameaça a democracia brasileira.
Danichi Mizoguchi retorna à ficção com "Eterna Fantasia" (Ed. Dublinense), seu segundo romance que lança um olhar crítico sobre o Brasil contemporâneo. A obra destrincha as desilusões e contradições do campo progressista nacional em meio ao turbulento cenário político brasileiro, construindo uma história de amor que mistura desencanto político, pulsão de vida e desejo como forma de resistência. "Queria entender como o amor sobrevive em tempos de ódio, como os afetos resistem quando tudo parece desmoronar", explica o autor gaúcho, que promete provocar debates intensos sobre os rumos da esquerda brasileira.
Referência nacional no pensamento afrocentrado, Renato Noguera apresenta "ABC do amor: O que a poesia e a filosofia têm a dizer sobre os afetos" (Ed. Oficina Raquel). A obra entrelaça saberes da tradição ocidental com conhecimentos ancestrais afro-diaspóricos e indígenas, apresentando 103 palavras ou expressões que funcionam como breves ensaios sobre as múltiplas dimensões da experiência amorosa. "O amor é uma força revolucionária que pode transformar não apenas indivíduos, mas estruturas sociais inteiras", defende o filósofo, que fará a abertura da Casa Poéticas Negras defendendo a potência transformadora das relações afetivas.
Os cinco autores representam a diversidade e a riqueza da produção literária lusófona contemporânea, abordando desde questões íntimas e universais como o amor e a maternidade até problemáticas sociais urgentes. Suas presenças em Paraty reafirmam o papel da Flip como espaço privilegiado de encontro entre diferentes tradições literárias e perspectivas críticas sobre o mundo em que vivemos.
SERVIÇO
23ª FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATY - FLIP
Até 3/8
Paraty (RJ) | Programação completa e informações: www.flip.org.br