Praça Onze, a terra do samba, ressurge em livro

Obra analisa 14 sambas que eternizaram o bairro demolido em 1942 para dar lugar à Avenida Presidente Vargas

Por Affonso Nunes

A Praça Onze em imagem de 1939, três anos antes de sua demolição: a região foi o berço do samba

A jornalista Beatriz Coelho Silva, conhecida como Totó, mergulha na memória musical carioca com "Quando Vem da Alma de Nossa Gente – Sambas da Praça Onze", novo lançamento da Garota FM Books que reconstrói a história de um dos bairros mais emblemáticos do Rio de Janeiro através da música. O trabalho, prefaciado pelo historiador Luiz Antonio Simas, examina como 14 canções criaram uma mitologia duradoura em torno da região considerada berço do samba, demolida há mais de oitenta anos para dar passagem à Avenida Presidente Vargas.

O lançamento oficial acontecerá nesta quinta-feira (17), às 18h, na livraria Folha Seca, com roda de samba conduzida pelo maestro Paulão Sete Cordas, estabelecendo conexão direta entre o conteúdo do livro e sua expressão musical viva.

A obra analisa composições lançadas entre 1930 e 1982, dividindo-se entre onze canções sobre o bairro criadas por compositores que não viveram ali e três obras de João da Baiana, pioneiro do samba nascido na própria Praça Onze. A pesquisa contou com a colaboração do maestro Paulão 7 Cordas e da cantora Clara Sandroni, professora de Canto Popular da UniRio, que contribuíram para as análises musicais. "A Praça Onze era um bairro cosmopolita, uma pororoca de idiomas e sotaques que nos brindou com o que temos de melhor: um amalgama de culturas, da qual o samba é a maior expressão. Este livro tenta contar como isso aconteceu", explica a autora.

A abordagem metodológica de Totó trata a canção como obra literária integral, considerando letra, música e interpretação como elementos indivisíveis. Segundo ela, essa perspectiva permite compreender como essas composições contribuíram para forjar uma identidade brasileira e perpetuar a memória de um espaço urbano que transcendeu sua existência física. O trabalho investiga o processo pelo qual a música popular transformou um bairro real em território mítico, mantendo viva sua influência cultural décadas após seu desaparecimento.

Biblioteca Nacional - Imagem da demolição do bairro, para permitir a construção da Avenida Presidente Vargas

Luiz Antonio Simas, no prefácio, estabelece paralelos significativos para dimensionar a importância histórica do local: "O samba, afinal, é mais que um ritmo, um gênero musical, uma coreografia; o samba é um jeito de estar no mundo. Nesse sentido, se não existe cristianismo sem Jerusalém, Maomé sem Meca, Santos sem Pelé, Gantois sem Mãe Menininha, Beatles sem Liverpool e Caymmi sem a Bahia; não existe o samba do Rio de Janeiro sem a Praça Onze". O historiador descreve a região como uma "ágora carioca das tias baianas, malandros maneiros, judeus, ciganas, arengueiros, poetas, batuqueiros, valentões" que simultaneamente inventou o samba urbano e foi por ele reinventada.