'Troca Tudo' vira febre na Bienal do Livro
Atividade que permite negociar desde livros até histórias atrai visitantes de vários estados e reforça espírito de comunidade leitora
A Bienal do Livro Rio 2025 ganhou um ingrediente especial que tem movimentado tanto quanto os grandes lançamentos e sessões de autógrafos. Na Praça Além da Página Shell, o "Troca Tudo" se transformou em um dos pontos mais concorridos do evento, reunindo leitores de todas as idades em torno de uma proposta aparentemente simples, mas profundamente significativa: trocar qualquer coisa por qualquer coisa, desde que haja vontade de compartilhar.
A dinâmica funciona como uma grande feira de escambo literário, onde livros, marcadores, bottons, pulseiras, figurinhas e até conselhos e histórias ganham valor de moeda. O que realmente importa não é o valor comercial dos objetos, mas o encontro humano que se estabelece a cada negociação. É um exercício prático de generosidade que tem atraído participantes de diversos estados, transformando a praça em um laboratório de conexões espontâneas.
Julia Lima Martins Pereira exemplifica bem o magnetismo da atividade. A estudante de Letras de 20 anos não hesitou em viajar de Vila Velha, no Espírito Santo, especialmente para a Bienal, e chegou com uma estratégia bem definida. "Eu trouxe a mala vazia para encher de livros", revelou, demonstrando que sua participação no evento foi planejada com a precisão de quem conhece o valor das oportunidades. Durante sua passagem pela praça, ela negociou "Mais pura verdade", de Dan Gemeinhart, por "Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna, além de trocar "Teto para Dois", de Beth O'Leary. Para ela, a experiência transcende a simples aquisição de novos títulos: "É uma experiência muito nova, totalmente fora do que estou acostumada. Onde moro não tem nada disso, então é como se fosse outro mundo mesmo".
A estudante mineira Maria Luiza Fonte de Oliveira, também de 20 anos, chegou ao Rio acompanhada da mãe e da tia, em uma viagem que representa a continuidade de uma tradição familiar recém-criada. Depois de visitarem a Bienal de São Paulo em 2024, o trio decidiu que a edição carioca também entraria no roteiro de viagens. "Eu sabia que ia ter essa troca de livros, então estava preparada. Queria ter trazido mais, mas ficaria muito pesado", comentou Maria Luiza, evidenciando como a atividade já se tornou conhecida entre os frequentadores habituais de eventos literários. Sua avaliação da organização geral do evento também é positiva: "Está sendo tudo incrível, muito bem organizado, estou conseguindo ver tudo, mesmo com o evento cheio".
O "Troca Tudo" também tem se revelado uma atividade especialmente atrativa para famílias, como demonstra a experiência de Elizabeth Stucchi, professora de 46 anos que veio de Olaria com uma verdadeira caravana familiar: filhas, afilhada, amiga das filhas e marido. Sua participação na atividade foi imediata e múltipla: "Cheguei e já troquei um livro por um botton para minha filha mais nova, e peguei o 'Aqui tem coisa', do Patativa do Assaré para mim. Minha filha de 14 anos está por aí trocando vários livros". Para Elizabeth, a dinâmica vai além do aspecto lúdico, funcionando como uma ferramenta pedagógica natural que reforça o espírito familiar e o incentivo à leitura desde cedo.
O sucesso da iniciativa revela algo significativo sobre o momento atual da cultura literária brasileira. Em tempos de digitalização crescente e individualização das experiências de leitura, o "Troca Tudo" resgata a dimensão comunitária e física do universo dos livros. A atividade funciona como um antídoto ao isolamento, criando um espaço onde desconhecidos se tornam parceiros de negociação e, frequentemente, companheiros de conversa sobre autores, gêneros e descobertas literárias.
A Praça Além da Página Shell, ao meio-dia de quinta-feira, apresentava um movimento constante de pessoas circulando com livros nas mãos, examinando as ofertas alheias e apresentando suas próprias mercadorias de troca. O ambiente descontraído contrasta com a seriedade comercial de outras áreas da Bienal, oferecendo uma alternativa mais democrática e acessível de participação no evento. Ali, o valor dos livros não se mede pelo preço de capa, mas pela disposição de compartilhar e pela curiosidade de descobrir.