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A forçadas coisas além do que elas aparentam ser

Escritor e professor, o carioca Luiz Rufino lança 'Cazuá: Onde o Encanto Faz Morada', um convite a se repensar o Brasil além dos livros de História | Foto: Mônica Ramalho/Divulgação

Filho de pai e mãe cearenses, neto de vaqueiros e lavradores, Luiz Rufino tem as ruas, as rodas, os quintais e os terreiros como lugar de formação. Professor da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), este carioca nascido e criado no subúrbio escreveu diversos livros, entre eles "Pedagogia das Encruzilhadas" (Mórula, 2019) e "Vence-demanda: Educação e Descolonização" (Mórula, 2021). "Cazuá: Onde o Encanto faz Morada", sua mais nova obra, marca a estreia na Editora Paz & Terra. O livro será lançado no próximo sábado (26), no Alfa Bar e Cultura (Rua do Mercado, 34), a partir das 14h, num papo solto com o historiador Luiz Antônio Simas seguido de roda de samba das 15h às 19h.

Nas crônicas de "Cazuá", Rufino apresenta ao leitor um país para muito além do que conhecemos nos livros de História. Seus textos são a um convite a se reimaginar o Brasil numa dimensão que vai além da casa e da rua: o encanto.

Este livro abriga crianças que vadeiam com santos, malandros que se misturam com trabalhadores, flores que se encruzam com facas, plantas que conversam com gente, roças que se irmanam com matas, quintais, esquinas e terreiros - porque nesses espaços de convívio e intimidade, que são também ambientes preciosos para invenção de mundos, coabitam as histórias de cada um e de nossa gente, deste e de outros planos", ensina o autor para quem a força das coisas não está só naquilo que aparenta ser e que se reduz ao que chamam de materialidade. 

 

Luiz Rufino: 'Fui uma criança alumbrada pelas histórias dos mais velhos e tento manter a minha escuta acesa'

Não existe atributo maior para um escritor, um contador de histórias, do que ser ele próprio um escutador de histórias. Ao escutar e recolher histórias dos mais variados cantos, Luiz Rufino busca entrar nelas para poder entendê-las em suas camadas, suas profundeza.

Na entrevista a seguir, ele discorre sobre sua história, o novo livro e provoca outras reflexões.

 

O que leitor pode esperar desse lançamento?

LUIZ RUFINO - "Cazuá" é um livro que conversa com as ruas, esquinas, quintais, terreiros e com as coisas que por ali passam, brincam, pelejam e fazem festa para adentrar os mistérios, belezas e encrencas que fazem o Brasil. Sou um daqueles que defendem que por aqui habitam muitos Brasis, entretanto para alcançá-los temos de ser leitores de seus textos profundos. O livro conta histórias cotidianas que trazem essa diversidade de saberes e modos de ser brasileiro. A chave para abrir essa porteira é a sensibilidade com as coisas miúdas, aquelas que compõem a vida como acontecimento trivial.

 

O que representa para um jovem autor publicar uma por um selo de uma editora grande como a Record?

Celebro com muita alegria esse momento. A Editora Record e o selo Paz & Terra têm um time de grandes nomes da literatura e do pensamento em geral, que são grande inspiração. A minha estreia não podia ser melhor porque é com o livro que mais diz sobre a intimidade da minha aldeia. Mesmo sendo meu nono livro, essa estreia na Paz & Terra me faz sentir como aquele chegou no miudinho para brincar na roda de samba.

O que mais te motiva como professor?

A aposta permanente em nutrir a indignação com a imaginação de que outros mundos são possíveis. Sou um devoto da educação, mesmo que não fosse um profissional da área. Sou neto de nordestinos, que foram lavradores, e fui criança brincando nos quintais do subúrbio carioca. Minha lida na educação encruza lavra com quintal, um permanente exercício de cultivar o sentido da comunidade.

 

Como você se tornou escritor?

Muito pela condição de ser professor e pela vontade de contar as coisas que se aconchegaram na experiência que vivi pelos lugares onde passei e ainda passo. Tenho uma formação muito oral, fui uma criança alumbrada pelas histórias dos mais velhos e tento manter a minha escuta acesa. Acredito que o que tenho feito é uma espécie de "oralização da escrita". Para mim, o texto tem corpo, ele ginga, brinca e desdiz o tempo todo.

Entre seus livros, está "Fogo no Mato - A Ciência Encantada das macumbas", escrito com o historiador Luiz Antonio Simas. Como foi trabalhar com ele?

O professor Simas é um parceiro de jornada, somos irmanados na fé e ele é uma das minhas referências. "Fogo no Mato" marcou o início de nossa parceria, que segue firme, já demos aulas juntos em rua, bar, terreiro de macumba, escola, museu, fizemos curadoria de exposição, tocamos tambor na universidade e, o mais importante, seguimos há alguns anos acompanhado a Alvorada de São Jorge. O nosso livro em conjunto foi elaborado na mesa do bar Bode Cheiroso (boteco na Tijuca), depois veio o "Flecha no Tempo" e o "Arruaças - Por Uma Filosofia Popular Brasileira", em parceria também com o professor Rafael Haddock-Lobo. Simas é uma pessoa muito generosa e é um dos grandes incentivadores para que eu firmasse na caneta aquilo que já vinha contando na palavra.

"Pedagogia das encruzilhadas" (Mórula, 2019) é outro livro seu muito comentado. Como você começou a misturar educação com orixás?

"Pedagogia das Encruzilhadas" é um livro que traz uma crítica sobre o acontecimento colonial, principalmente no que diz respeito ao seu impacto naquilo que chamamos de conhecimento. O livro também tem como tese a leitura de Exu como um problema educativo, daí uma pedagogia encarnada por ele. Sou uma pessoa que tem se dedicado ao estudo da cultura e da educação, assim nada mais comum do que ressaltar os vários modos de experimentar os processos educativos nas mais diferentes formas de ser. Toda a minha reflexão está ancorada naquilo que acontece na vida comum, nos cotidianos que expressam a imensidão do mundo. Exu nos ajuda a pensar profundamente a educação, mas em uma sociedade racista isso é algo que ainda causa estranhamento e recusa.

Já faz um tempo que você vem interpretando o Brasil sob a ótica da macumba e de outros saberes populares. "Cazuá" seria a continuação de algum dos seus livros anteriores?

Ele segue uma trilha conduzida pelas coisas que me acompanham, mas não seria uma continuação. Digo que o "Cazuá" é um livro muito diferente de tudo que fiz até agora. É um livro com textos curtos, com referências às escritas feitas com corpo e ritmo na vida comum. Essas crônicas foram escritas na rítmica de uma estação de trem para outra, na pausa sagrada no botequim, na fila do mercado ou mesmo para ser carregado na bolsa como um patuá

Quais são os autores que mais inspiram a sua produção literária?

Essa é aquela pergunta difícil de responder, mas firmaria aqui quatro cantos com Beatriz do Nascimento, Lélia Gonzalez, Luiz Antonio Simas e Nei Lopes.

Existem outros temas que você ainda quer abordar nos seus livros?

Estou preparando para 2025 um livro que lê o dilema político e social brasileiro pelos caminhos das umbandas. Será uma novidade, pois contraria algumas leituras já feitas sobre a dada "religião brasileira" e aponta outros caminhos para problematizarmos essa quizumba chamada Brasil. Muito me interessa desatar alguns nós e apertar outros. Tenho também engatilhados dois livros para o público infanto-juvenil.