Por: Affonso Nunes

A obra viva de um mestre do traço

No livro 'Entre Cobras e Lagartos', o escritor Guto Lins construiu uma narrativa através de inúmeros desenhos pinçados no acervo de Ziraldo | Foto: Divulgação

A Bienal Internacional do Livro de São Paulo se realiza até domingo (15) e pela primeira vez sem um de seus persnonagens da mais marcantes. Autor de títulos infantis consagrados, o cartunista Ziraldo (1932-2024) arrastava multidões por onde passava durante o evento. O artista se foi, deixando um legado marcante, mas sua vasta obra não está completa. Ganha um novo capítulo, colorido e ilustrado, com o lançamento de "Entre Cobras e Lagartos" nesta sexta-feira (13).

A história de uma cobra em crise existencial, que se depara com um animal mais assustador do que ela, dá o tom deste livro inédito do multiartista, que faleceu em abril, aos 91 anos. Com ilustrações de Ziraldo e textos de Guto Lins, foi editado pela Reco-Reco, selo da Record voltado para literatura infantojuvenil. O lançamento terá mesa de debates (10h) e sessão de autógrafos (12h) na Bienal.

O livro tem por base imagens garimpadas no acervo do Instituto Ziraldo, que desde 2019 vem se estruturando na preservação, organização e divulgação da obra criada por Ziraldo. São ilustrações feitas em diferentes épocas para a imprensa, literatura ou campanhas institucionais - um pequeno painel da diversidade do traço e da atemporalidade de suas ideias. Todas juntas oferecem a oportunidade de uma viagem no tempo, tendo como guia o bom humor, uma das grandes características de Ziraldo.

Nas palavras de Guto Lins, trata-se de um livro "ao contrário", no qual as imagens dão origem aos textos. A personagem principal é descrita em detalhes reveladores: "Era uma vez uma cobra que tinha 's' de sobra. Não era uma cobra só. Sabida, sabichona, sensata, sincera, sofisticada, sonhadora, sociável, se achava simplesmente sensacional. Mas era solitária".


 

Uma personagem instigante desde a Antiguidade

O livro 'Entre Cobras e Lagartos' tem texto de Guto Lins a partir de ilustrações de Ziraldo | Foto: Divulgação

A partir das ilustrações de Ziraldo, Guto Lins conta a história dessa cobra temida e instigante, presente desde as histórias de Adão e Eva e ainda na mitologia grega, por compor as madeixas fatais da Medusa. "No livro, vemos essa personagem sob nova perspectiva. Aqui ela está sempre à procura de alguém que possa compreendê-la e aceitá-la como é", explica o dramaturgo, autor e ilustrador Roger Mello, que assina o texto de apresentação do livro.

A Bienal traz uma programação especial em homenagem a Ziraldo. O público poderá participar de oficinas, sessões de leitura e encontros com autores que discutirão o legado de Ziraldo e sua influência na nova geração de leitores. Ao todo, são cinco espaços oficiais dedicados à obra do multiartista: Espaço Infâncias, Salão de Ideias, Papo de Mercado, Educação e Cordel e Repente. O maior evento literário da América Latina, realizado pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) vai até domingo (15) no Distrito Anhembi, em São Paulo, onde são esperadas mais de 600 mil pessoas.

Ziraldo nasceu artista, em 1932, no interior de Minas Gerais, curioso por informação e apaixonado por livros, esporte e amigos. Observador das fraquezas e grandezas humanas, era um comunicador ávido. Artista autodidata, atuante nos mais variados campos da cultura, Foi um desbravador, pioneiro no design brasileiro, revolucionário na literatura infantojuvenil, sempre com ideias inovadoras e traços vigorosos.

Dono de um olhar apurado e um enorme talento para dar formas aparentemente simples a temas complexos, Ziraldo abriu caminhos para toda uma geração de fãs, artistas e intelectuais, sendo um verdadeiro ativista cultural em constante diálogo com a sociedade.

Sua assinatura inconfundível na imprensa brasileira e o humor como forma de resistência foram marcantes em momentos importantes de nossa história. Suas obras literárias trouxeram uma nova escuta para a infância. Ziraldo é um artista atemporal e universal, referência na defesa da liberdade de expressão.

A sua obra é preservada pelo Instituto Ziraldo, com sede na Lagoa. Até o momento, já foram inventariados cerca de 18 mil itens, entre desenhos, textos, cartazes, cartuns, charges, livros, pinturas e esboços, reunidos nos formatos físico e digital.

Ziraldo deixou 8 milhões de exemplares vendidos, desenhos fabulosos no acervo e alguns dos maiores clássicos da literatura brasileira, como "O Menino Maluquinho", "Flicts", "A Turma do Pererê", "Jeremias o Bom", "Supermãe" e muitos outros.

Para tanto, o Instituto Ziraldo conta com o patrocínio da Prio, promovendo a conservação do acervo do artista e a difusão de suas obras para diversos públicos. "Investir em cultura é essencial para o desenvolvimento de uma sociedade dinâmica e inclusiva. Queremos contribuir para manter viva a arte de um cartunista que conversa com todas as idades. Ziraldo fala com muita criatividade e propriedade de temas relevantes como a importância de sonhar, acreditar, e de assuntos como responsabilidade, sustentabilidade e futuro", diz Camilla Trindade, gestora de Patrocínios e Projetos Sociais da Prio.