Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Mãe Janayna Lázaro: 'A Flup é um espaço de difusão da ancestralidade'

Uma das mães de santo mais famosas do Rio, Janayna Lázaro faz de seu barracão um polo de produção cultural na Zona Norte do Rio | Foto: Divulgação

Signo vivo do Candomblé no Rio de Janeiro, respeitada como figura de referência na luta antirracista e na batalha contra a intolerância no Rio de Janeiro, Janayna Lázaro vem mobilizando seu "barracão" (termo usado para a casa onde uma zeladora dessa religião presta seus serviços e pratica seu credo) e sua rede de "filhas", "filhos", consulentes e amigos em prol de um evento essencial à prática da leitura no país. Ano a ano, a ialorixá (o termo iorubá para mãe de santo) evoca os orixás e emprega todo o seu saber em prol da Festa Literária das Periferias.

Este semestre, o evento dirigido pelo escritor Julio Ludemir será realizado no Circo Crescer e Viver (Rua Carmo Neto, 143, Cidade Nova), neste sábado, das 12h às 23h. Saraus, shows, rodas de leitura e bate-papo com Conceição Evaristo prometem mobilizar toda a cidade.

Para Janayna, a festa tem um apelo a mais: ela está completando 50 anos de Santo (ou seja, de suas atividades cuidando de cabeças dos mais variados cantos do país e até do exterior).

Ela já abriu seu jogo de búzios pra gente de variadas profissões, acolhendo advogadas, barítonos, contadoras, dentistas, escrivães, farmacêuticos... Daria pra fazer um abecedário de ofícios analisando-se a turma de que ela cuida. E cuida não só espiritualmente, mas também abrindo seu lar, a Casa da Palha, em São Cristóvão, pra dar guarida e comida a pessoas vindas dos mais variados territórios. Muitas delas são artistas, que chegam ao Rio com sede de brilhar no teatro, na música, na TV, na arquitetura, no cinema.

Não por acaso, a casa em que ela milita em prol das tradições africanas (de música, dança e fé) serviu como canteiro para frutificar projetos de peças, livros e filmes, transformando-se num polo cultural. Esse trabalho aproximou seu caminho da Flup. Sua interseção com a Festa Literária é ajudar a despertar a atenção do povo carioca para a preservação de tradições que vieram da África.

Qual é o papel cultural que a Flup exerce em relação às religiões de matriz africana?

Janayna Lázaro: A Flup tem sido um espaço de acolhimento para as casas de axé e um terreno de difusão do saber de nossa ancestralidade. A festa atraiu pessoas que gostam de literatura e abre um espaço para que esse povo conheça nossa cultura, aprendendo mais sobre nossas religiões.

Sua Casa da Palha atende pessoas das mais variadas profissões e das mais diferentes classes sociais, mas já serviu de incubadora para muitos projetos artísticos. Qual é a relação de seu barracão com a cultura?

Estamos abertos para todas as pessoas, de todas as áreas do saber, de todo o tipo. Não faço distinção. Acolho todo mundo. Contudo, muita gente que passa pela Casa da Palha é artista e convida outras pessoas do ramo da arte para nos visitar. Mas todo mundo é filho pra mim, independentemente do que faça. O que pregamos é que um irmão, uma irmã apoie a outra, o outro. É família. O papel de uma ialorixá é ser um fio condutor. Brinco que sou um "fio de conduta", pois meu trabalho é encaminhar, é aconselhar.


Este ano, o evento presta tributo à historiadora Beatriz Nascimento (1942-1995) e fala dá voz uma série de mulheres ligadas ao movimento negro. Como a senhora avalia a força feminina da Flup deste ano?

Não é só este ano não. A Flup vem celebrando a foça da mulher preta brasileira faz tempo, partindo de nossas vivências para chegar à nossa ancestralidade. Sem nossos ancestrais não teríamos nada. Evocá-los e discutir um saber antigo e perpétuo.

Nesse lugar, de que maneira o evento ajudar a diluir o preconceito?

São muitos anos de intolerância, que começam desde os tempos em que os escravizados chegaram. Lutamos todo dia para que as pessoas entendam que todo mundo é igual. A Flup sempre levanta esse tema e, ao fazer isso, mostra para seu público que é preciso respeitar a escolha do próximo.