Por: Rodrigo Fonseca (Especial para o Correio da Manhã)

Leitura sob as bênçãos dos orixás

Janayna Lázaro | Foto: Diculgação

Inimiga declarada do racismo institucional brasileiro, com uma programação debruçada sobre a força das populações negras e indígenas, a Festa Literária das Periferias (Flup) regressa ao Rio nesta quinta-feira (12) onde fica por nove dias com a programação mais pop de toda a sua história, dividindo-se por três espaços da Gamboa. Dá para ir de VLT e, de lá, zarpar para a Vila Olímpica da Gamboa, Galpão da Ação da Cidadania e a Garagem Viação Reginas. Já no seu abre-alas, no Dia de Nossa Senhora, tem campeonato de pelada, revoada de balões e tributo à nossa santa padroeira, com performance de Saul Williams e show de Rita Benneditto.

Ao longo dos próximos dias, o evento dirigido pelo escritor Julio Ludemir (criador da maratona ao lado de Écio Salles) promove shows de Leci Brandão (sexta), batidão de MCs e DJs (sábado), MV Bill (domingo), Linn da Quebrada (dia 21) e mais numa leva de atrações.

"A Flup foi um projeto totalmente impossível e improvável que, segundo pessoas do mercado, jamais aconteceria, por ser um projeto ligado à leitura e à produção textual que acontecia em lugares associados ao analfabetismo funcional. A despeito disso tudo, a gente conseguiu fazer", orgulha-se Ludemir. "Teve Flup em 2012, em 2013, em 2014 e não parou. Sobrevivemos ao impeachment, sobrevivemos ao Bolsonaro, sobrevivemos à pandemia, sobrevivemos a uma suspensão absoluta de tudo e de todos, sobrevivemos à morte do Écio, que foi um golpe duro em nossos corações. Sinto que, hoje em dia, como festival, A Flup está muito consolidada no calendário da cidade. As pessoas já sabem que a gente existe, as pessoas de alguma forma esperam que a gente aconteça. O festival tem uma identidade muito ligada a artes que são produzidas em cômodos apertados, na raça, mas que preenche um espaço".

Nesta edição, a festa promove um de seus principais eventos do ano: um encontro de lideranças religiosas de matriz afro-indígenas celebra a ancestralidade brasileira.

"O racismo no Brasil tem um pé na intransigência religiosa", diz Ludemir. "Só que exatamente quem está resistindo à brutalidade racista do país é esse povo resiliente dos terreiros, esse povo que sobreviveu a muitas violências e tem um pé muito fortemente fincado nas questões, da fé. A gente está falando de uma geração que de artistas, de intelectuais, de pensadores que tem um pé no candomblé".

Neste sábado, falam sobre esse tema Mãe Zilmar, Iyalorixá Janaína Lázaro, Arlene Katendê. No dia 21, o mesmo mote vai mobilizar Babalorixá Jorge Kibanazambi, Baba Nando Oxaguian e Iyá Wanda d'Omolú. Já no dia 22, falam Mãe Meninazinha de Oxum, Pai Icaro de Oxóssi, Babá Adailton Moreira.

"A cultura do Candomblé engloba muitas coisas: a vestimenta, o toque da percussão, a dança. O que não se conhece deve-se aprender. É parte do meu trabalho ensinar, preservar a hierarquia, espalhar o saber de nossos antepassados", diz Janayna, que celebra a Flup como um espaço de luta contra o desrespeito religioso que, desde meados da década passada, vem causando invasões e depredações de terreiros. "Não existe uma justificativa para maldade e para intolerância".

Neste sábado vai ter exibição do filme "Slam", de Marc Levin, às 14h, dando um aporte do audiovisual à dedicação da Flup à poesia falada de tom de batalha. Às 18h30 do dia 14, rola uma exibição do documentário "Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você".

A programação completa está aqui.