Bajulação
Durante muito tempo, acreditei que um dos piores tipos de pessoas fosse o bajulador. Eis um exemplo abominável, um papel nojento que sempre recusei com veemência. Não acredito em amigos que elogiam tudo em alguém, isso não existe no mundo real. O verdadeiro amigo debate e critica, porém com a prudência e o bom senso de não ofender, senão deixa de ser amigo e passa apenas a ser um babaca que não merece atenção. Claque não é amizade. Quando tenho que elogiar, elogio em público e procuro ao máximo fazer críticas em particular.
Hoje já não tenho certeza sobre o pior papel do bajulador, por mais ridículo que seja. Afinal, para que ele, bajulador, exista, é preciso existir o bajulado - e esse também é um papel extremamente ridículo caso o próprio tenha plena noção do fato. Afinal, quem gosta de ser bajulado? O boboca, o prepotente cheio de si, muitas vezes com menos qualidades do que acredita ter, mas entorpecido pela canastrice de seus bajuladores.
Claro, sempre existe o outro lado. Não bajular está longe, muito longe, de grosserias, humilhações e colocações absolutamente infelizes. Muita gente confunde sinceridade com grosseria. Elogiar o bom, o bem feito, o justo, o belo deveriam ser gestos normais para todos, mas nem sempre acontece. Mas elogiar não é bajular. Longe disso.
E no trabalho? Durante 21 anos, tive um cargo de confiança numa instituição. Assessorava o diretor da casa, por sinal uma das melhores pessoas com quem convivi e aprendi muita coisa. Mas em uma única ocasião, o caldo ferveu e, por meia hora, tive certeza de que seria demitido, não pelos meus defeitos mas sim pelo que eu considero uma qualidade.
Mensalmente, nos reuníamos para aprovar um indicador que eu calculava, algo muito sério à época. Numa ocasião, com o presidente da entidade junto conosco, o diretor resolveu encrespar com a alta do cimento, que considerou insuficiente para a realidade do momento.
O que era para ser um simples entendimento de repente virou uma confusão: expliquei que a base de dados não indicava um aumento maior, então não teríamos nada a fazer. E ele cismou que o aumento não poderia ficar apenas no percentual apresentado. Daí ele se alterou, dizendo que a alteração era uma ordem e que eu deveria me submeter hierarquicamente. Respondi: "Eu não vou publicar uma farsa. Trabalho nisso há onze anos. E não vou me submeter a nada que desonre meu diploma". E saí da sala, voltando à minha de trabalho. Então me sentei, fiquei em silêncio por longa meia hora e esperei pelo telefonema da demissão.
Uns quarenta minutos depois, tocou o telefone: "Venha aqui por favor". Fui à sala, o diretor pediu para que eu fechasse à porta. Ficou uns trinta segundos em silêncio e disse apenas "Desculpe. Agora entendi a questão dos dados. Você tem razão.". E aí eu é que pedi desculpas pela maneira como falei, não pelo teor, mas pelo tom. Terminamos a aprovação do indicador aos sorrisos e, pelos quinze anos seguintes, tivemos uma relação fantástica, a melhor de toda a minha vida profissional.
Um executivo comum, raso, grosseiro, teria visto naquela pequena divergência apenas um ato de indisciplina, mas o personagem em questão estava bem acima da média nacional. Muito acima. Mas o que me deixou mais contente foi ter conquistado sua confiança sem uma vírgula de bajulação.
