Idealizado por Breno Cruz, professor doutor do curso de Gastronomia da UFRJ, o Festival Gastronomia Preta chega a mais uma edição neste sábado e domingo (23 e 24) no Parque Glória Maria, em Santa Teresa. O evento é fruto da percepção que o mundo da culinária negligencia o povo preto e a cultura afro-brasileira, esconde a influência da comida de diáspora e sequer considera em seus menus. "O festival é realizado para que as pessoas pretas assumam seus papéis de destaque nda culinária", destaca ele.
São diversas atividades, todas gratuitas, como a Cozinha Show Benê Ricardo, espaço que receberá chefs que vão preparar pratos ao vivo para o público, convidando-os a saborear as iguarias ao final; uma praça de alimentação para receber expositores de alimentos e bebidas que evidenciam a pluralidade da gastronomia preta brasileira; um palco, com shows de samba e a cerimônia de entrega do Prêmio Gastronomia Preta, que homenageia os grandes profissionais do setor de alimentos e bebidas no Brasil.
O Prêmio,em sua terceira edição, com entrega no dia 24 de novembro, a partir das 15h45min, foi criado para evidenciar a presença potente do povo preto no setor de Alimentos e Bebidas no Brasil. São 23 categorias as profissionais que fazem uma experiência gastronômica acontecer. O prêmio se torna plural também por apresentar categorias singulares como Merendeira, Pesquisadora, Fotógrafo, Com Dendê (que valoriza a influência de África por meio da Bahia), Boteco (nova categoria em 2024); Ação Social (que reforça a importância de um olhar empático em prol de uma sociedade melhor); e Futuro(a) Chef - que busca reconhecer a importância da formação profissional em cursos profissionalizantes ou do ensino superior.
Entre os participantes de destaque do evento está o Instituto Ações Sociais Vó Tutu que distribui diariamente 2000 pães na Brasilândia, bairro da periferia de São Paulo, além de formar profissionais na área da culinária.
"Comecei a trabalhar em casa de família aos 12 anos, mal alcançava no fogão. Naquela época. As patroas pediam pratos elaborados, chiques, e nós fazíamos. Eu com 14 anos já dominava a cozinha, mas nunca tive reconhecimento. Os elogios, poucas vezes chegavam até a cozinha, que era como se fosse a senzala dos meus bisavós, dos meus antepassados passaram por isso e mal sobrava pra gente", relata Vini Figueiras, chef estrelado da Bahia. "O Prêmio de Gastronomia Preta, para nós da Bahia, representa aquelas pessoas que são vistas como cozinheiro que só sabe fazer aquelas comidas de ancestralidade, que não sabe fazer alta gastronomia. Com isso tentam nos excluir", denuncia.
Para Kelma Zenaide do Restaurante Kitutu em Belo Horizonte, o festival é um prêmio importante para a categoria. "Sobretudo, porque ressalta a cultura do povo negro e mostra que a nossa gastronomia também tem técnica e tecnologia. É importante que as pessoas reconheçam que a culinária dos povos pretos tem muita influência em toda a cozinha do Brasil. Com a colonização, fez com que a gente não conseguisse ter visibilidade como outras áreas também da nossa cultura".
"Para mim, a alta gastronomia está na forma de se apresentar, os seus modos de fazer, as suas técnicas. É importante que a população reconheça as diversidades, sobretudo as diversidades gastronômicas, e reconhecer que a culinária ancestral afro-brasileira também é de alta gastronomia", acrescenta, destacando o legado culinário se seus antepassados. "Um exemplo aqui em Minas Gerais é o torresmo de latas, carne de latas, no qual eu sou especialista. Aprendi com a minha família, com meu avô, um descendente de escravos".
Adriana Veloso chef do Pescados na Brasa, reastaurante carioca especializado em comida paraense, tembém exalta a premiação. "Sempre a gastronomia favorece o que tem mais e não o que tem menos. Então esse festival nos coloca no mesmo patamar de muitos chefs, de pessoas brancas, porque nós pretos também temos o nosso valor. E poder trabalhar com a nossa cultura, com os nossos ancestrais, torna a nossa culinária mais afetiva, mais saborosa e feita com mais amor. Porque dentro da nossa gastronomia, nós estamos botando todo o afeto que vem do nosso passado", defende.
"É importante é acreditar na gente e na importância de nossa história. A comida ancestral para o dia-a-dia, eu sempre trago para a questão do afeto. A minha mãe, a minha avó sempre fizeram comida com muito afeto, muito carinho, reunindo pessoas. Então, para mim, essa comida ancestral é mais ligada ao afeto", reforça Marcos Avalon, merendeiro de creche em Campinas (SP).
SERVIÇO
FESTIVAL GASTRONOMIA PRETA
Parque Glória Maria (Rua Murtinho Nobre, 169 - Santa Teresa) | 23 e 24/11, das 10h às 18h | Entrada franca. Sujeito a lotação