Tinha um que falava alto, outro que ria de banda, um que mentia adoidado, outro não pagava as contas, aquele muito sisudo, o que bebia demais, uma toda saltitante, outra dona da verdade, aquela que usava franja e volta e meia brigava, uma meiga que só vendo, namorada de um boçal (ou era só meu ciúme?), um que tinha orgulho exagerado de ser negro e até fazia discurso racista, outro que tinha vergonha de falar fino, uma que misturava bebidas e queria namorar todo mundo (depois sempre se arrependia), cantava "Ronda" e começava a chorar, um adorava contar de quando serviu o Exército, outro detestava o apelido de sargento (por conta da mania de dar ordens), uma que sonhava ser atriz, outra que dizia vou embora senão meu marido me mata, o morador de Niterói que tomaria só mais um copo para não perder a barca (perdia sempre), aquele que achava que ia conseguir ler na mesa, citando trechos de Schopenhauer e pedindo que falassem baixo, o que reagia "buteco não é biblioteca", outro que toda vez que chovia recitava um verso de Antonio Brasileiro "Chove na cidade e não posso sair para ver os amigos e desabafar essa mágoa porque chove", um que reagia "Caralho, estava demorando", aquela que no quinto copo começava a cantar Fagner, imitando o sotaque e o tremor na voz, parecendo que estava engasgando, os que riam, os que diziam "Vamos ouvir, porras, olha o respeito", a que berrava "Agora só pego mulher, homem é tudo babaca e machista", um que gostava do bordão "Algo há, algo há", carregando no sotaque para imitar o Brizola, um que adorava frases feitas, outro que fazia frases, o mendigo que passava, parava, ria e seguia o seu caminho, a vendedora de flores que oferecia "Compra flores para as moças", o que sempre dizia "Essas moças não merecem flores" e ouvia das moças o coro com o desabafo "Seu babaca", o dono do bar que olhava pro garçom com cara de "Tá na hora de botar as cadeiras sobre as mesas e jogar água no salão" e o garçom que berrava "dessa vez é saideira mesmo, não sirvo mais, preciso ir embora, tenho casa, mulher e filhos, vão pra puta que os pariu!"
E ninguém saía. Nem o garçom, que era amigo também.