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Queijo vegano ganha complexidade

Por Ricardo Ampudia (Folhapress)

Por muito tempo a imitação perfeita do queijo foi o "santo Graal" da gastronomia vegana. Os pioneiros do mercado perseguiram o caminho das raízes, com produtos à base de batata, mandioca e povilho, mas apesar da cremosidade (e do corante e do aromatizante), o resultado só contentava os mais desesperados - não tinham complexidade para fazer jus ao nome queijo.

Mais de uma década depois, o caminho está sendo trilhado pela tradição. Técnicas de fermentação, afinação e bactérias típicas da queijaria animal estão dando vida a dezenas de queijos vegetais à base de castanha de caju, com complexidade de sabor, textura e até terroir próprio.

A mestre-queijeira Virgínia Cândida, de Jeceaba (MG), aprendeu a fazer queijo ainda criança, numa família que preservou a tradição de trabalhar o leite para consumo próprio.

Quando se tornou vegana, em 2014, resolveu testar as mesmas técnicas com leites vegetais. Ela apurou o método ao longo dos anos, estudou queijos franceses e hoje sua marca, a Viveg, fundada em 2016, produz até 6 mil unidades de queijos veganos por mês.

São mais de 20 tipos, de diferentes cepas de fungos e bactérias usadas na queijaria tradicional. Entre eles queijos complexos, como o pérola negra, queijo duro que descansa por um ano; o trem azul, queijo mofado azul; e o cacau em flor, do tipo brie, com uma fina película de cacau na casca florida.

No processo da Viveg, a castanha é hidratada e fermentada, depois vira um creme, onde as bactérias são inoculadas. A fermentação ocorre nas primeiras 24 horas, quando os bichos consomem o açúcar e a proteína da massa. A partir daí, começa o processo de cura e afinação, quando o queijo endurece e adquire complexidade, em temperatura controlada por pelo menos 60 dias.

"O processo é o que vai dar a identidade do queijo, 70% são as bactérias que você usa, e 30% são como ele é curado e afinado", diz Virgínia.

A mestre-queijeira Michele Souza tem sua própria microqueijaria vegana, a Queijuaria, em Campinas (SP). No menu estão 18 tipos de queijos, com foco nos azuis, como o gorgonzola, que passa de 40 a 60 dias mofando, literalmente.

"Inicialmente eu comprava as culturas de bactérias, mas hoje eu as fabrico. O mofo azul está no ar, então, conforme variam a vegetação, umidade e solo, ele imprime uma característica própria no queijo, um terroir. O meu tem esse terroir de Campinas", conta.

Em São Paulo, o stylist e queijeiro vegano Márcio Banfi, da Casa Banfi, faz queijos com uma técnica um pouco diferente dos métodos tradicionais. Em vez de cultura de bactérias de laboratório, ele usa um tipo de probiótico natural chamado rejuvelac.

Esse fermento é obtido pela fermentação espontânea de grãos germinados imersos em água. A técnica, de origem romena e popularizada ainda nos anos 1960, é a pioneira dos queijos veganos fermentados.

A identidade de cada queijo de Banfi é garantida pela receita do rejuvelac, que usa grãos como feijão-bolinha, lentilha e ervilha. "É a forma de cuidar de cada um que dá essa diferença no sabor, é a temperatura, a troca da água, o tempo de germinação", explica.

Ele tem uma produção pequena, que vende pelas redes sociais e em uma feira de rua no Centro de São Paulo. Os mais procurados são os queijos meia-cura. "Os queijos veganos envolvem uma curiosidade na experiência. É você comer algo e perceber que é possível chegar nesse sabor com esse processo."

Outras sementes e castanhas também são utilizadas como base pelos queijeiros, como a amêndoa e a macadâmia, mas a de caju é a preferida por ser macia e suave, não ter casca e estar sempre disponível no mercado.