Querem ver? Ele só cria volume suficiente de cortiça no seu tronco, 25 anos depois de plantado. E uma vez feito o primeiro "descasque", só de 9 em 9 anos são feitos os subsequentes, para que a árvore sobreviva, pois a casca se renova.
Mas merece a nossa saudação, ainda mais na semana que passou, em que o mundo ambiental comemorou o Dia Internacional das Florestas - e da Árvore, em 21/9. "Quercus Suber" é o seu nome botânico (horrível!). Mas ele/ela forma um dos ecossistemas mais ricos em biodiversidade do continente europeu e, hoje, nasce e cresce basicamente em Portugal, sobretudo no Alentejo, na Espanha e na Grécia.
E por que a nossa homenagem e a de todos os apreciadores de vinhos e espumantes do planeta - os atuais e os dos últimos 500 anos? Porque é dessa árvore que se extrai a cortiça e é de cortiça que ainda se produzem milhões de rolhas no mundo. Primeiro, mão treinadas "descascam" lâminas dessa madeira e as separam para um longo processo de secagem e tratamento com fungicidas; só depois, então, elas estarão prontas para serem recortadas em cilindros e utilizadas no formato de rolhas, cuja função há mais de 500 anos, repito, é vedar as garrafas de vinhos (tranquilos e com bolhas).
Virtudes das rolhas de cortiça: elasticidade, aderência, porosidade, compressibilidade, longevidade, resistência ao fogo, permeabilidade ao gás e aos líquidos, além de ser natural e biodegradável. E permite a micro-oxigenação. (**)
E uma curiosidade: quando a gente abre uma garrafa, quase sempre a rolha é mais velha do que o próprio vinho!
Contudo, e parodiando Cazuza, a ciência não para. E a rolha de cortiça, além de finita em perspectiva, vai-se tornando cada vez mais cara e rara, pelo excesso de demanda. Tanto que as grandes vinícolas europeias, americanas e do novo mundo, inclusive a Ásia, costumam comprar anos à frente da produção. Além de outros usos (paredes acústicas, móveis, etc). Veio, então, a experiência com as rolhas sintéticas (***) e as tampas de rosca (screwcaps). Mas os enólogos e enófilos torceram o nariz (com trocadilho) por várias razões, inclusive porque alegaram que ambas estancam a lenta entrada de oxigênio nas garrafas.
Mas a tecnologia sempre "ouve" o mercado. E a Nomacorc, empresa de origem belga, com fábricas nos Estados Unidos e agora também na Argentina, começou a trabalhar na hipótese de obter uma tampa de goma expandida que, além de evitar o TCA ("tricloroanisole", um fungo desagradável que dá na cortiça e transmite um gosto de cinzeiro sujo, ao vinho), permitisse administrar a entrada do oxigênio na micro proporção do que ocorre nas rolhas de cortiça. Aliás, já vi também rolhas de rosca com mini-furinhos no alumínio ou estanho.
Epílogo. Tudo isso é interessante, mas me lembro sempre do humor cortante do Millôr: "a gente não bebe nem rótulo, nem rolha, nem garrafa. Caprichem no vinho que já tá muito bom ..."
(**) A descoberta da utilização da rolha, bem como a criação da garrafa, são as duas maiores conquistas enológicas de todos os tempos. E, casualmente (?), contemporâneas. Antes delas, e até o início do século XVII, portanto, o vinho era retirado dos tonéis logo após a fermentação e colocado em odres, ou ânforas, os quais eram vedados precariamente com tampões de linho, ou estopas, embebidos em azeite.
(***) Alguns fabricantes tivera, a "honestidade" de colocar as sintéticas coloridas, para deixar bem claro que não são rolhas de cortiça maciça.
*Colunista de vinhos e embaixador do turismo do Rio