Um recente estudo realizado pela fundação britânica Parent-Infant revelou que uma em cada dez mulheres apresenta dificuldades em criar vínculos com seus bebês. Os dados da pesquisa se aproximam de uma realidade marcante no Brasil: a depressão pós-parto. Atualmente, ela acomete cerca de 25% das mães brasileiras no período de seis a 18 meses após o nascimento do bebê. E já houve tempo em que as pessoas , porque taxavam a maternidade de missão sagrada, divina, consideravam que as questões acontecidas após o parto.
A exposição tem como inspiração em um envelope com um laudo psiquiátrico dentro e com o título na capa de "Por favor leiam para que eu descanse em paz", encontrado entre os pertences de MC, avó de Nanda, uma das idealizadoras dessa exposição, na ocasião da sua morte. MC foi internada com depressão pós parto na década de 1950, sendo privada do trabalho e do contato com os filhos.
Nanda construiu a metodologia baseada no convite que contassem as suas histórias de hoje. As artistas colocaram um anuncio em mídias sociais e foram às ruas com a seguinte provocação "Você já foi chamada de louca?", ouvindo histórias das mulheres que se identificaram com a proposta.
"A escrita da minha avó me seduziu e surpreendeu. É de uma coragem, de uma honestidade com seus sentimentos que eu não conhecia e nem imaginava. Agora, vejo o que sempre esteve lá, rodeado de segredos, de não ditos, de sussurros e de muita vergonha. Queria ter perguntado pra ela a sua visão de tudo isso que ela viveu, mas talvez ela não pudesse me responder, talvez fosse preciso essa tradução artística de tudo isso, essa expansão", revela Nanda Félix.
Filmados em 2022, os vídeos registram um longo processo de escutas, envolvendo mais de 70 mulheres e chegando à participação de 30, oriundas de diferentes regiões do Rio de Janeiro. Essas filmagens foram um grande campo de troca, cumplicidade e construção, resultando na criação de uma narrativa histórica e artística feminina.
O espaço expositivo é ocupado por duas grandes projeções em vídeos e uma parede composta por uma série de imagens em formatos diversos, como cianotipias e fotografias, fragmentos textuais e objetos das mulheres participantes do filme que formam um organismo único mergulhando na história de MC e suas reverberações hoje.
Além dos dois vídeos há também uma parede com uma série de fotos em cianotipias com os rostos das mulheres participantes, documentos, trechos das cartas de MC, objetos físicos que as mulheres resolveram dividir com o público "para descansar em paz em vida", e suas respectivas histórias. São rastros de memória que tomam conta da parede dando outra dimensão a estas antigas cicatrizes, tanto de MC, quanto das mulheres participantes.
Partindo de uma história pessoal, mas também universal, esta exposição, com equipe composta 100% por mulheres, vem quebrar acordos de silêncio perpetuados pelos mecanismos de poder e propor outras narrativas e revoluções. Traz à luz questões sociais e políticas para que estas possam ser vistas e revistas, que gerem debates e promovam, assim, novos olhares e possibilidades de futuro. A história de MC é a história de milhões de mulheres que continuam sendo submetidas a olhares masculinos limitantes sobre suas formas de existência no mundo.
SERVIÇO
Local: Galeria do Sesc Copacabana - 1° andar (Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana/RJ - 21-21 2548-1088 - https://www.sescrio.org.br)
Período da exposição: até 24 de novembro, sábado
Funcionamento: terça-feira a domingo, das 10h às 19h
Entrada: gratuita
Classificação: livre
Instagram: @sesccopacabana