Mitologia e resistência feminina conectadas
'Manifesto Elekô' retorna aos palcos cariocas explorando a trajetória da orixá Obá como metáfora das conquistas das mulheres negras
A dança afro-brasileira ganha nova dimensão poética e política com o retorno de "Manifesto Elekô" aos palcos cariocas. O espetáculo da Cia Clanm de Danças Negras estabelece um diálogo singular entre a mitologia yorubana e as vivências contemporâneas das mulheres negras, utilizando a figura da orixá Obá como fio condutor de uma narrativa que celebra resistência e conquistas. A montagem, que estreou durante a pandemia, retorna reformulada, ampliando sua reflexão sobre os novos espaços de protagonismo ocupados pelas mulheres negras na sociedade brasileira.
Sob a direção geral de Fábio Batista, a obra transcende a representação do sofrimento para enfatizar a trajetória de superação e liderança. "Obá sai de um sofrimento extremo e chega ao generalato de um exército, ocupando o mais alto escalão da proteção das mulheres. Queremos mostrar que, assim como ela, suas contemporâneas também estão percorrendo esse caminho", explica o diretor.
Esta abordagem reflete uma mudança de perspectiva no teatro negro contemporâneo, que busca equilibrar a denúncia das violências com a celebração das conquistas e da potência criativa da comunidade negra. Desta forma, o espetáculo articula elementos cênicos que dialogam com a tradição afro-brasileira e a contemporaneidade.
Sete bailarinas e seis músicos compõem um conjunto que utiliza cantigas autorais em yorubá e bantu, criando uma sonoridade que conecta ancestralidade e presente. A escolha por idiomas africanos demarca um posicionamento claro de valorização das matrizes culturais africanas, frequentemente invisibilizadas nos palcos.
Considerada a orixá mais retinta do panteão yorubano, Obá liderou Elekô, sociedade exclusivamente feminina de guerreiras e feiticeiras dedicadas à preservação de tradições e territórios. Sua educação masculinizada e domínio das armas a transformaram em símbolo de força e estratégia militar, características que o espetáculo transpõe para as lutas das mulheres pretas no Brasil.
Segundo o Censo 2022, mulheres negras são responsáveis pela gestão de 49,1% dos lares brasileiros, ressaltando um protagonismo econômico e familiar. "Elas ocupam um lugar de matriarcado, mas também estão em outros espaços", observa Batista, destacando que o elenco reflete essa diversidade, reunindo estudantes universitárias, lideranças de projetos sociais, professoras e outras profissionais.
O diretor enfatiza que a montagem "é construção política, reflexão, potencialização de mulheres negras, alerta social e festa".
A programação inclui ainda uma oficina de dança ministrada por Fábio Batista e as artistas do espetáculo, expandindo o projeto para além das apresentações e criando oportunidades de formação e intercâmbio cultural. Esta face pedagógica do projeto reforça o compromisso da companhia com a democratização do conhecimento sobre danças afro-brasileiras e suas conexões com a espiritualidade e a resistência cultural.
SERVIÇO
MANIFESTO ELEKô
Caixa Cultural - Teatro Nelson Rodrigues (Av. Almirante Barroso, 25, Centro)
De 17 a 19/7, quinta e sexta (19h) e sábado (18h)
Ingressos entre R$ 15 e R$ 20, com reserva de 20% dos ingressos para pessoas em situação de vulnerabilidade social, estudantes, professores, pessoas transgêneras e deficientes físicos