Brigitte Bardot morre aos 91 anos e deixa legado controverso entre cinema e ativismo
Atriz francesa que revolucionou o cinema nos anos 1950 abandonou a carreira no auge para se dedicar à proteção animal, mas ficou marcada por posições políticas polêmicas e condenações por incitação ao ódio racial
Atriz francesa que revolucionou o cinema nos anos 1950 abandonou a carreira no auge para se dedicar à proteção animal, mas ficou marcada por posições políticas polêmicas e condenações por incitação ao ódio racial
A morte de Brigitte Bardot, aos 91 anos, anunciada neste domingo (29) pela fundação que leva seu nome, encerra a trajetória de uma das figuras mais emblemáticas e contraditórias da cultura francesa do século 20. Ícone sexual que revolucionou o cinema nos anos 1950, militante dos direitos animais e defensora de posições políticas de extrema-direita, Bardot personificou tanto o glamour quanto as tensões de seu tempo, deixando um legado que suscita debates acalorados sobre liberdade, arte e responsabilidade pública.
O presidente francês Emmanuel Macron foi um dos primeiros a prestar homenagem, afirmando nas redes sociais que Bardot "encarnou uma vida de liberdade" e um "brilho universal". A França, segundo ele, estava de luto por "uma lenda do século". Jordan Bardella, presidente do partido de extrema-direita Reunião Nacional (RN), que Bardot apoiava publicamente, descreveu-a como "uma mulher de coração, convicção e caráter", destacando seu patriotismo e devoção aos animais. Marine Le Pen, líder do mesmo partido a quem Bardot chegou a chamar de "Joana d'Arc do século 21", definiu a atriz como "incrivelmente francesa: livre, indomável, inteira".
A ascensão de Bardot ao estrelato internacional aconteceu em 1956, quando protagonizou "E Deus Criou a Mulher", dirigido por seu então marido Roger Vadim. No filme, ela interpretava uma adolescente desinibida em Saint-Tropez, papel que consolidou sua imagem de "gatinha sexual" e a transformou em fenômeno global. A produção foi um sucesso estrondoso na França e no exterior, catapultando Bardot para o primeiro escalão do cinema francês. A prefeitura de Saint-Tropez, cidade onde a atriz passava férias na infância e onde filmou a obra que a consagrou, declarou em nota que Bardot "ajudou a fazer Saint-Tropez brilhar em todo o mundo" e que ela era "a embaixadora mais radiante" da cidade.
Assim como transformou Saint-Tropez em destino turístico cobiçado, Bardot também deixou sua marca no Brasil: em 1964, visitou Búzios, então uma pequena vila de pescadores praticamente desconhecida, e sua presença atraiu tamanha atenção da mídia internacional que a cidade passou a ser chamada de "Saint-Tropez brasileira". A visita impulsionou o desenvolvimento turístico da região, e hoje uma estátua em homenagem à atriz, criada pelo escultor Bob Zagury, permanece na orla de Búzios como símbolo do impacto duradouro na cidade cujo cinema leva seu nome.
Nascida em 1934 em Paris, em uma família católica tradicional e próspera, Bardot demonstrou talento precoce para a dança, conquistando uma vaga no prestigioso Conservatório de Paris. Paralelamente aos estudos de balé, trabalhou como modelo, estampando a capa da revista Elle em 1950, aos apenas 15 anos. Foi justamente esse trabalho que abriu as portas do cinema: em uma audição, conheceu Vadim, com quem se casaria em 1952, logo após completar 18 anos. Seus primeiros papéis foram discretos, mas ganharam proeminência gradualmente, incluindo uma participação como par romântico de Dirk Bogarde em "Médico do Mar", grande sucesso no Reino Unido em 1955.
Nos anos 1960, Bardot consolidou-se como uma das maiores estrelas do cinema europeu, trabalhando com diretores renomados. Atuou no drama "A Verdade", de Henri-Georges Clouzot, indicado ao Oscar, em "Vida Privada", de Louis Malle, ao lado de Marcello Mastroianni, e em "O Desprezo", de Jean-Luc Godard. Na segunda metade da década, aceitou propostas de Hollywood, estrelando "Viva Maria!", comédia de época ambientada no México com Jeanne Moreau, e "Shalako", um faroeste com Sean Connery. Sua influência transcendeu o cinema: intelectuais e artistas a admiravam fervorosamente. John Lennon e Paul McCartney, ainda jovens, exigiam que suas namoradas tingissem os cabelos de loiro para imitá-la. Em 1958, o colunista Raymond Cartier dedicou um longo artigo sobre "le cas Bardot" na Paris-Match, enquanto Simone de Beauvoir publicou em 1959 o célebre ensaio "Brigitte Bardot e a Síndrome de Lolita", apresentando a atriz como a mulher mais liberta da França. Em 1969, Bardot foi escolhida como primeira modelo real de Marianne, símbolo da República Francesa.
Paralelamente ao cinema, Bardot manteve uma carreira musical, que incluiu a gravação da versão original de "Je T'Aime... Moi Non Plus", de Serge Gainsbourg, escrita para ela durante um caso extraconjugal. Com medo do escândalo após seu então marido, Gunter Sachs, descobrir o romance, Bardot pediu a Gainsbourg que não lançasse a canção. Ele regravou-a posteriormente com Jane Birkin, alcançando enorme sucesso comercial.
Apesar do estrelato, Bardot sentia-se cada vez mais sufocada pela fama. Em 1973, aos 39 anos, anunciou sua aposentadoria do cinema após filmar o romance histórico "A Edificante e Alegre História de Colinot". A partir de então, dedicou-se integralmente ao ativismo pelos direitos dos animais, participando de protestos contra a caça de focas em 1977 e fundando a Fundação Brigitte Bardot em 1986.
Sua atuação como ativista incluiu cartas de protesto a líderes mundiais sobre extermínio de cães na Romênia, matança de golfinhos nas Ilhas Faroé e abate de gatos na Austrália.
Porém, suas posições políticas cada vez mais radicais e declarações inflamatórias sobre minorias étnicas, imigração, islamismo e homossexualidade resultaram em uma série de condenações por incitação ao ódio racial. Entre 1997 e 2008, tribunais franceses a multaram seis vezes, especialmente por comentários direcionados à comunidade muçulmana do país. Em um dos casos, foi condenada a pagar 15 mil euros por descrever muçulmanos como "essa população que está nos destruindo, destruindo nosso país ao impor seus atos". Em seu livro de 2003, "Um Grito no Silêncio", defendeu políticas de direita e atacou homossexuais, professores e a chamada "islamização da sociedade francesa", o que resultou em nova condenação.
Bardot tinha longo histórico de apoio ao RN, anteriormente conhecido como Frente Nacional. Casou-se quatro vezes: com Vadim (1952-1957); Jacques Charrier (1959-1962), com quem teve seu único filho, Nicolas Sachs (1966-1969); e Bernard d'Ormale, ex-assessor de Le Pen, com quem se casou em 1992. Também manteve relacionamentos públicos com Jean-Louis Trintignant e Gainsbourg.
A fundação que anunciou sua morte não informou quando nem onde o falecimento ocorreu, limitando-se a declarar: "A Fundação Brigitte Bardot anuncia com imensa tristeza a morte de sua fundadora e presidente, Madame Brigitte Bardot, atriz e cantora de renome mundial, que escolheu abandonar sua prestigiosa carreira para dedicar sua vida e energia ao bem-estar animal e à sua fundação".
