RETROSPECTIVA 2025: Brasis que reagem,Brasis que encantam

No ano em que ganhou seu primeiro Oscar, sonhado desde os anos 1940, o cinema brasileiro emplacou sucessos de bilheteria, cults, prêmios em festivais, biopics e reações do streaming

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

O Agente Secreto

No ano em que ganhou seu primeiro Oscar, sonhado desde os anos 1940, o cinema brasileiro emplacou sucessos de bilheteria, cults, prêmios em festivais, biopics e reações do streaming

Yes, agora nós temos um Oscar, conquistado no Carnaval (algo mais brasileiro do que isso, não há!) por "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, que beirou 6 milhões de ingressos vendidos, num ano em que os maiores festivais do planeta se renderam à nossa excelência. Tiveram uns Bezerros de Ouro aqui e acolá, com (falsas) apropriações de cartilhas de gênero, e teve muita grita contra a manha dos streamings para se adequar a uma política justa para o nosso cinema. Apesar disso, vivemos dois semestres de alegrias. Saca só:

O filme do ano

O AGENTE SECRETO, de Kleber Mendonça Filho: Crítico profissional ao longo de 13 anos, o jornalista pernambucano que trocou a reportagem por uma carreira como realizador conseguiu um feito invejável para quem milita na imprensa cinematográfica ao ganhar a capa da revista "Cahiers du Cinéma", a Bíblia do audiovisual, com seu novo (e originalíssimo) longa-metragem. A produção recebeu quatro prêmios no Festival de Cannes: Melhor Direção, Melhor Ator (para um Wagner Moura em estado de graça), láurea da Crítica e láurea da Associação de Cinemas de Arte e Ensaio. Eleito o Filme do Ano pela Associação de Críticos do Rio de Janeiro (ACCRJ), esse thriller se passa em 1977 e abraça a palavra "pirraça" para traduzir o zeitgesit do Brasil de Ernesto Geisel, sem usar a palavra "ditadura". Naquele ano, no enredo, um pesquisador viúvo (papel de Wagner) regressa ao Recife para buscar seu filho e é caçado por assassinos. Crocante do início ao fim, a narrativa conta com desempenhos inspirados de Roney Villela (entre os matadores) e de Carlos Francisco, que vive um projecionista.

Confira a seguir o que mais se viu de imperdível de janeiro para cá:

Nosso ranking de 2025

 

Fabio Braga/Divulgação - Cyclone

CYCLONE, de Flavia Castro: Uma atuação hipnótica de Luiza Mariani assegura viço a um estudo sobre o silenciamento sexista de uma expressão caudalosa de invenção da São Paulo do zeitgest modernista que gerou a Semana de 22. A inspiração (livre) é Maria de Lourdes Castro Pontes (1900-1919), autora designada alternadamente por Deisi, Daisy, Dasinha, Miss Tufão e Miss Cyclone. No auge de sua criação, em busca de uma bolsa para escrever no exterior, ela sofre diversos vetos.

Fotos: Divulgação - A Melhor Mãe do Mundo

A MELHOR MÃE DO MUNDO, de Anna Muylaert: A atuação mais tocante do ano é a de Shirley Cruz. Sua personagem, a catadora de material reciclável Gal, mistura de "Noites de Cabíria" (1957) com "O Cortiço" (1978). Gal é uma combinação das heroínas de Giulietta Masina (qual a Gelsomina de "La Strada") com a Rita Baiana do romance de Aluísio Azevedo (1857-1913). A São Paulo que adotou como lar é neorrealista, mas sua cartografia, no devastador filme da diretora de "Que Horas Ela Volta?" (2015), flerta com o Naturalismo. Nas entranhas da maior metrópole do país, vemos a microfísica da exclusão se processar a partir da metástase do machismo. O "namorido" de Gal, o segurança Leandro (Seu Jorge), segue uma (de)mentalidade bárbara segundo a qual "mulher minha tem que transar comigo todo dia". Sob tal bandeira, ele justifica crimes, num gesto de objetificação, de posse. Só não contava com a astúcia que existe na resiliência: Gal mete o pé. Leva o coração da gente junto.

Divulgação Paris Filmes - Homem com H

HOMEM COM H, de Esmir Filho: Com cerca de 640 mil ingressos vendidos, a cinebiografia do cantor Ney Matogrosso, hoje na Netflix, promove uma requintada autopsia em corpo vivo do companheirismo. Todas as músicas que fizeram do bardo um ícone de transgressão estão em cena, associadas a uma mesmerizante performance de corpo (e alma) do ator Jesuíta Barbosa. A fotografia de Azul Serra faz subir a temperatura e a pressão de cada quadro.

 

Guillermo Gaza/Divulgação - O Último Azul

O ÚLTIMO AZUL, de Gabriel Mascaro: Celebrizado no planisfério cinéfilo depois de ganhar o Grande Prêmio do Júri da Berlinale, esta aventura fluvial contra o etarismo mostrou ao mundo a gigante que Denise Weinberg é quando se põe diante das câmeras. Ela encarna Teresa, uma funcionária de um curtume amazônico que, ao passar dos 70 anos, é condenada a um campo de concentração para idosos. Sua única saída: buscar nos afluentes do Amazonas o acalanto da escapada. Um barqueiro de coração partido (Rodrigo Santoro) será seu aliado nessa jornada, de um colorido sensualíssimo.

Helena Barreto/Divulgação - Sexa

SEXA, de Gloria Pires: Campeoníssima de bilheteria, a estrela da franquia "Se Eu Fosse Você" (2005-2009) aposta numa aventura por trás das câmeras, falando da aceitação da passagem do tempo numa sociedade pontuada pelo etarismo e sexista até dizer chega. Além de dirigir, ela atua, no papel de uma revisora de livros que, ao completar 60 anos, vive uma paixonite por um técnico de Informática viúvo (Thiago Martins). Isabel Filardis brilha em cena no papel daquele tipo de amiga que faz palavra "amizade" ganhar um colorido redentor e analgésico.

Divulgação - Manas

MANAS, de Marianna Brennand: Longa ganhador do Director's Award da Giornate degli Autori do Festival de Veneza e do Prêmio da Première Brasil, dado à sua atriz principal, Jamilli Correa. Sua trama testemunha o processo de maturidade a fórceps de Marcielle/Tielle (Jamilli), de 13 anos, num ambiente assombrado pela brutalidade contra as mulheres, nas águas da Ilha do Marajó (PA). Dira Paes é um dos destaques do elenco.

Divulgação -

NÓ, de Laís Melo: O ganhador do Kikito de Melhor Realização do Festival de Gramado de 2025 inventaria agressões às vivências femininas, mas também resiliência. Glória, sua personagem central, vivida por Saravy, é operária numa fábrica de alimentos, que faz aqueles pipocões doces do saco rosa. Tem três filhas. Tem amizades fidelíssimas. Tem fé no Santo, batendo cabeça para as entidades que lhe abrem caminho. Mudou para o Centro, com o intuito de dar às suas meninas uma vida melhor, próxima da escola. No emprego, ela engata num processo seletivo que pode lhe assegurar um aumento... de tarefas e de salário. Tudo parece bem, mas parecer e ser... na linhagem de filmes sobre opressão laboral em que Laís insere o longa... não são sinônimos. O notável desenho de som de Tulio Borges agrava os silêncios de Glória.

Divulgação - Kasa Branca

KASA BRANCA, de Luciano Vidigal: A vertente histórica do naturalismo, que vem lá da prosa literária, com "O Cortiço", é usada nesta crônica de alianças numa perspectiva solidária (e não catastrofista), a fim de ilustrar a vida de três jovens amigos num cotidiano de reeducação afetiva: Dé (Big Jaum), Adrianim (Diego Francisco) e Martins (Ramon Francisco, hilário). O trio vive os perrengues de uma cidade que isolou bairros e municípios distantes do mar, padecendo de um serviço de saúde deficitário na rede hospitalar pública. Apesar das várias dificuldades, a galera não esmorece. Retinas se encantam pela fotografia de Arthur Sherman, premiada no mesmo Festival do Rio em que Vidigal ganhou a láurea de Melhor Direção.

Divulgação Netflix - Caramelo

CARAMELO, de Diego Freitas, e O FILHO DE MIL HOMENS, de Daniel Rezende: Em meio a todo o debate acerca da regulação do streaming, a Netflix apostou na criação de conteúdo nacional originalíssimo, com dois filmaços que explodiram em audiência na plataforma no segundo semestre. De um lado, a saga de um chef de cozinha condenado à dor por uma doença terminal encontra num cãozinho uma esperança, atestando a força da natureza que Rafael Vitti é. Do outro lado vem a primeira adaptação de um livro do escritor luso Valter Hugo Mãe, com foco na isca e no anzol que o pescador Crisóstomo (Rodrigo Santoro, brilhante) joga ao mar, dia após dia, em sua fome de peixe bom e em seu sonho de ter um filho.

Divulgação - Eu e Meu Avô Nihonjin

EU E MEU AVÔ NIHONJIN, de Celia Catunda: Amparada numa direção de arte de colorido lívido, inspirada pelas pinturas do urbanista Oscar Oiwa, a realizadora por trás do fenômeno "Peixonauta" nos apresenta a vontade de potência de Noboru, um descendente de imigrantes do Japão, que passa a investigar a história de sua família após ouvir as memórias do avô. Ao longo dessa jornada animada, ele descobre a existência de um tio misterioso e reflete sobre o que significa ser nipo-brasileiro, entre tradições herdadas e o desejo de pertencer a dois mundos. Ken Kaneko e Pietro Takeda integram o elenco de vozes desta animação regada pelos acordes de uma trilha original de Márcio Nigro e André Abujamra.