Carmen Maura: 'Os americanos não descobriram a Espanha, por isso a gente filma tanto'

Ao ser informada pela coordenação de imprensa do 22° Festival de Marrakech de que terá entrevista com o Brasil, a espanhola Carmen Maura interpela o Correio da Manhã, de cara, com saudades de Miguel Falabella, seu diretor em "Veneza" (2019): "Ele tem filme novo? Já está no circuito das mostras?", pergunta a diva espanhola, aclamada na década de 1980 por seu casamento estético com Pedro Almodóvar, antes de abrir um sorrisão ao saber que o eterno Caco Antibes filmou "Querido Mundo", ainda inédito em cartaz. "Ele foi muito delicado. É um fabulador".

Aos 80 anos, Carmen pôs o Marrocos no bolso com sua interpretação em "Calle Málaga", sob a direção de Maryam Touzani. "Ela não é uma diretora fácil de lidar, pois é exigente e repete os planos muitas vezes, mas me entregou um roteiro lindo", diz a estrela madrilenha abraçada pela cinefilia mundial depois do sucesso de "Mulheres À Beira De Um Ataque De Nervos", em 1988, e respeitada por sua atuação em cults como "Volver" (2005).

Coqueluche em Marrakech, "Calle Málaga" assegura a ela o papel de María Ángeles, imigrante ibérica de 79 anos que mora sozinha em Tânger e aprecia sua rotina diária. No entanto, sua vida vira do avesso quando a filha chega de Madri para vender o apartamento onde sempre viveu. Determinada a ficar, María faz tudo o que pode para recuperar sua casa e seus pertences e, inesperadamente, redescobre o amor e a sensualidade.

Premiado pelo júri popular de Veneza, onde estreou, em setembro, indicado a troféus no Cairo e coroado com as láureas de Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz em Mar Del Plata, na Argentina, "Calle Málaga" se candidata a lucrar milhares de euros, de dólares e de reais nas salas de projeção. Na conversa a seguir, Carmen fala sobre o que é lotar cinemas.

Sua carreira tem uma respeitabilidade em escopo global e tem também afagos do mercado exibidor, pois muitos de seus filmes, inclusive as parcerias com Almodóvar, lucraram para além dos parâmetros do cinema europeu. O que justifica essa popularidade do passado e o quanto ela pode se repetir agora com "Calle Málaga"?

Carmen Maura - É que eu faço as pessoas rirem. Divertir o público é necessário. Não fazia ideia disso... assim como não imaginava um dia me tornar conhecida... até que as pessoas passaram a me parar na rua... e para falar de cinema. Vou sair do Marrocos e vou voltar a Madri, onde vai ter gente me parando no metrô para falar de "Calle Málaga". Ando na rua, livremente, e muitos me param para contar suas vidas. Tem sido assim desde que comecei.

Qual é o Marrocos de "Calle Málaga"?

Eu me encanto com o Marrocos, por sua cultura, sua comida, sua luz natural, e lamento saber que muitos espanhóis nunca passaram por esse país, mesmo estando pertinho, e, mesmo sem conhecer o local, fantasiam problemas que não existem.

O que María Ángeles revela sobre a estranheza que os europeus desenvolvem ao olhar para a realidade marroquina? Que solidão ela carrega?

Eu me encanto com a experiência de estar sozinha, de curtir meu espaço, e, diferentemente dela, na idade que tenho, aos 80 anos, não me abriria a um relacionamento, não poria um homem em casa.

Há perfumes ibéricos no enredo de "Calle Málaga", mas é um filme espanhol. Seu país tem ocupado muitos espaços este ano, nos grandes festivais. Como encara esse êxito da Espanha nas telas?

Não sei se viu um filme recente chamado "Los Domingos" (longa ganhador da Concha de Ouro do Festival de San Sebastián). Eu vi essa produção espanhola recentemente e ela linda. Estou muito orgulhosa do que estamos fazendo, em especial por que estamos dando espaço às mulheres na direção. Muitos filmes espanhóis são rodados por diretoras. Os americanos não descobriram a Espanha, por isso a gente filma tanto e tão bem. Hollywood não está lá. Nosso cinema tem público. É um público que nos respeita.