CRÍTICA / CINEMA / O SEGREDO DA CHEF: O abre-alas de Cannes chegou,e é uma delicinha
Inaugurado em edições passadas por blockbusters charmosos ("O Grande Gatsby"), versões de livros cultuados ("Ensaio Sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles, em 2008) e animações da Disney ("Up - Altas Aventuras"), Cannes abriu seu festival de número 78, em maio deste ano, com a prata da casa: uma produção francesa "pequenininha", sem estrelas AA, sem tema polêmico e sem chamarizes evidentes. "Partir Un Jour", que chega ao Rio neste fim de semana, na grade do Festival do Cinema Francês no Brasil (o ex-Varilux) pode ser chamado de "delicinha" - com gosto.
É comédia, é romance, é musical, é um filme (muito) bem atuado, é uma produção redondinha na edição. Suas ambições estéticas se resumem, na aparência, a evocar a tradição dos filmes cantados europeus dos anos 1960 (sobretudo os de Jacques Demy, o mestre do filão), abrindo um debate sobre ânsias do amor na contemporaneidade. Tem uma atriz em estado de graça (Juliette Armanet) e uma diretora estreante em longas de ficção: Amélie Bonnin. Quando se listam os títulos de abre-alas da Croisette nesta década, com exceção do também musicado "Annette", de Leos Carax, Amélie entregou à Côte d'Azur um bombom daqueles que a gente compra no ônibus com o troco da passagem. Não é nada que fique pra posteridade do paladar, mas caiu muito bem no sistema digestivo do cinemão, seis meses atrás, sobretudo rente ao pavoroso "O Segundo Ato", de Quentin Dupieux, exibido na arrancada de Cannes em 2024, ou "Coupez!", de Michel Hazanavicius, projetado lá em 2022. A carreira comercial da produção também foi eficaz, com 650 mil ingressos vendidos.
Com exibição agendada para este sábado, às 17h, no Estação NET Rio, "O Segredo da Chef" é uma mistura da série culinária "O Urso" ("The Bear") com o Demy de "Guarda-Chuvas do Amor", ganhador da Palma de Ouro de 1964 (só que um tantinho mais comedido com cores e o mel). Um clima à la "MasterChef" se instaurou em Cannes em suas passagens gastronômicas. No início da trama, a mestre-cuca Cécile (papel de Juliette) está prestes a realizar seu sonho de abrir seu próprio restaurante gourmet. Sua vida afetiva com o namorado é rotineira, mas tem tesão. Em meio a um teste de gravidez, que dá um assustador positivo, ela recebe a notícia de que precisa retornar ao vilarejo de sua infância pois seu pai sofre um ataque cardíaco. Longe da agitação de Paris, ela reencontra seu amor de infância, com quem estudou. Suas lembranças ressurgem e suas certezas vacilam conforme a panela de pressão de sentimentos ferve à máxima temperatura.
Com experiência na direção de TV e de documentários, Bonnin consegue ser econômica não apenas na paleta com que o diretor de fotografia David Cailley colore quadro após quadro. Suas sequências de cantoria não têm coreografias sofisticadas, nem corais pela rua, nem efeitos visuais. São apenas quebras do realismo, que aliviam o azedume de sua crônica sobre escolhas e revisões de um outrora mal resolvido. Seu conflito é trabalhado com leveza e canções saborosas, em especial a letra que dá título à fita. A evocação ao clássico "Paroles Paroles", de Dalida, é um mimo à parte.
Tem sessões de "O Segredo da Chef" na segunda - às 15h45, no CineCarioca José Wilker; às 15h50, no Est. Gávea; e às 15h55, no Cinesystem - e dia 8, às 16h20, no Estação NET Rio.
