Sarah Francis: 'O que eu filmo é um ecossistema de almas'

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

A diretora libanesa Sarah Francis, diretora de 'Cão Morto' ('Dead Dog')

 

Apresentada ao cinema como realizadora 12 anos atrás, pelas vias do documentário, com o belo "Birds of September", a libanesa Sarah Francis, egressa de Beirute, no Líbano, busca filmar o que existe de mais íntimo e de mais sentimental em sua pátria, para além dos chavões que a mídia americana e europeia criou sem conhecer aquela nação a fundo. Levada às veredas da ficção depois de filmar "Assim Como Acima, Abaixo", um dos destaques da Berlinale 2020), ela pôs o 46º Festival do Cairo no bolso com o tocante drama sobre desamor "Cão Morto" ("Dead Dog"), exibido em outubro na Mostra de São Paulo.

Em terras egípcias, o filme pode dar a ela o prêmio principal da Mostra Horizontes Árabes. O que ela exibe agora no Egito evoca "Cenas de um Casamento" (1973), de Bergman, mas à moda libanesa. Numa noite chuvosa, Aida (Chirine Karameh) dirige seu carro pelas montanhas do Líbano até chegar em uma casa de família vazia. Apenas Walid (Nida Wakim), seu marido que vive há anos no exterior, não esperava encontrá-la por ali. Esse reencontro entre os dois, ao longo de quatro dias, não é uma experiência tranquila, já que cada um deles tenta compreender as questões do outro. Ainda resta algo a ser salvo nessa relação? O que vemos é uma dissecação cuidadosa de um casamento que respira e se decompõe ao mesmo tempo. Chirine e Nida têm atuações estupendas sob a batuta de Sarah, que falou ao Correio da Manhã sobre inquietações sentimentais e sobre geopolíticas da afetuosidade.

Como você definiria o Líbano representado no seu filme?

Sarah Francis - É um Líbano que compartilha diferentes níveis de esperança e desilusão, frente a um sentimento de alienação que prende sua sociedade nas pequenas rotinas do dia a dia como forma de sobreviver. Quando eu fui fazer um pitching para buscar recursos, uma pessoa na Europa me perguntou: "Mas o que existe nesse seu projeto que a gente, aqui, não pode fazer?". Essa pergunta jamais seria feita a uma artista europeia e ela envolve uma discussão sobre o que o mundo pensa sobre "ser libanês". Este filme não trata dos eventos pelos quais o Líbano passou, mas ele se alinha com um sentimento local de que devemos recuperar as pequenas histórias, os relatos emotivos, sem a ansiedade de expor o que somos.

Nesse Líbano que você retrata, de que maneira o seu filme pode ser entendido - também - como sendo uma história de amor?

Trabalhamos as personagens, cada um tinha sobre própria visão sobre o que um relacionamento é. Quando eles se reaproximam, diferentes perspectivas sobre o amor eclodem, em parte por que essa palavra... o amar... envolve carinho, envolve partilha...

E em que medida amar envolve perdão?

Certamente envolve, sobretudo quando a gente se pergunta onde houve uma ruptura e onde se desenha uma linha limítrofe do espaço de cada um.

De que maneira a sua experiência pregressa com documentários se faz útil no processo de escuta das personagens?

O documentário me deu observação e me faz olhar para os espaços transicionais que existem nas situações que filmo. O que eu filmo é um ecossistema de almas. Frente a elas, eu não preciso focar nos eventos dramáticos. Eles aparecem. No roteiro original, havia um número maior de palavras do que está em cena. Na montagem, frente a uma história sobre pertencimento, fomos percebendo que os silêncios falavam mais do que certos diálogos.

"Cão Morto" tem a participação de outros países, como a Arábia Saudita e o Qatar, em sua estrutura de produção, mas o que ele carrega de mais libanês em sua equação criativa e como o projeto foi estruturado?

Eu sou libanesa, a equipe também e filmamos numa região de montanhas do norte do Líbano, chamada Bologna, como a cidade italiana. O custo do filme é de US$ 300 mil e filmamos em 2022, após uma crise econômica no meu país, com o apoio de fundos.