Pirâmides, esfinges e bons filmes no Festival do cairo

O Egito passa em revista a força de sua produção audiovisual no 46ª edição do evento africano, que começa nesta quarta

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

O último Azul

O Egito passa em revista a força de sua produção audiovisual no 46ª edição do evento africano, que começa nesta quarta

Prestes a engatar a marcha da 46ª edição de sua maratona cinéfila anual, que começa nesta quarta, num flerte com o Brasil de "O Último Azul", o Egito só ganhou a Palma de Ouro uma vez - e assim mesmo a de curtas - com um filme que entrou para a posteridade em meio ao caos da pandemia: "I Am Afraid to Forget Your Face" (2020). Em meio à realização do Festival do Cairo de 2025, que vai de 12 a 21 de novembro, a indústria audiovisual egípcia desentoca o que já fez e, sobretudo, o que faz de melhor, mobilizando diferentes seções do evento, além de brigar por espaço em outras latitudes, em especial na internet.

Divulgação - I Am Afraid to Forget Your Face

Não por acaso, o único filme da pátria dos faraós premiado no palmarês de Cannes hoje se espalha pelo YouTube, atraindo olhares para a recente fornada de seus compatriotas, que se impõem na programação deste ano com "Silver Tongue", de Omar Ali; "Cairo, Standstill", de Amr Abed; "The Day After", de Zeina Amr Dessouky; "Where the Winds Come From", de Hassan Nouby; "Blackout", de Ahmed Mostafa Elzoghby; e "Action, Nadia, Cut!", de Salma Elsharnouby.

Espera-se desses títulos potência similar à que se viu em "I Am Afraid to Forget Your Face". Há cinco anos, Cannes teve que cancelar seu festival oficial, habitualmente realizado em maio, por conta da covid-19. Em outubro daquele ano, promoveu uma espécie de edição pocket, só com quatro longas e uma disputa de curtas. Foi onde o Egito sagrou-se vencedor, à luz da excelência do diretor Sameh Alaa. Há poucos meses, ele lançou um novo filme: a animação "S The Wolf".

A fotografia de "I Am Afraid to Forget Your Face" é um esmero irretocável ao esculpir a luz e a se lambuzar da geleia do chiaroscuro. Seu roteiro explora a cultura do silêncio, da burca e do sexismo ao mesmo tempo em que tateia a perseverança de um povo contra a intolerância. Seif Hemeda interpreta Adam, um jovem que está separado da namorada há 82 dias após terem sido afastados pelas famílias e que está disposto a fazer quase tudo o que for necessário para se reunir com ela.

Em meio ao regresso desse êxito em sua prata da casa, o Festival do Cairo deste ano celebra o cinema do Egito ainda na mostra Horizontes Árabes, ao exibir (em concurso) "Pasha's Girls" e "Complaint No. 713317". Sua seleção de clássicos resgata "I Love Cinema" (2004), de Osama Fawzy (1961-2019). Um dos últimos sucessos egípcios no planisfério cinéfilo foi o road movie "Abu Saddam", da diretora Nadine Khan, foi premiado lá, há quatro anos.

Divulgação - Complaint

Situado no nordeste da África, numa ponte geopolítica com o Oriente Médio, a terra das pirâmides é hoje, entre as nações que falam árabe, a que soma uma das maiores produções cinematográficas anuais, numa média de realização de 30 longas por ano, além de ser o país de sua região com mais filmes distribuídos anualmente, com um punhado de filmes de grande orçamento (cerca de US$ 6 milhões) que se tornam blockbusters internamente. Na comparação com a África, só perde para Nollywood, a indústria da Nigéria, que produz muito (2,5 mil filmes por ano).

Até o início de 2020, as maiores arrecadações cinematográficas do Egito vinham de comédias. Hoje, há um maior interesse por filmes de ação, como "The Cell", de Tarek El'eryan. No Brasil, seu artista de maior fama segue sendo Youssef Chahine (1926-2008), diretor que filmou entre 1950 e 2007.

Organizado sob a direção artística do curador Mohamed Tarek, o Festival do Cairo abre suas atividades com o supracitado "O Último Azul" e fecha seus trabalhos com "A Voz De Hind Rajab", de Kaouther Ben Hania, da Tunísia, que se impõe como possível concorrente às estatuetas douradas de Hollywood. A sessão dele será fora da mostra competitiva oficial, na qual brigam atuais quindins da crítica como "Calle Málaga", do Marrocos, e "The Things You Kill", da Turquia.