Um maluco na Mostra

Querido por ala crescente da crítica e aplaudido nos festivais de Cannes e Berlim, Adam Sandler pode ganhar o Oscar por 'Jay Kelly', que encerra a maratona paulistana esta noite

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Adam Sandler faz um desabafo à personagem de Laura Dern em 'Jay Kelly', que pode conduzi-lo ao Oscar

Querido por ala crescente da crítica e aplaudido nos festivais de Cannes e Berlim, Adam Sandler pode ganhar o Oscar por 'Jay Kelly', que encerra a maratona paulistana esta noite

Falta um tiquinho para Adam Sandler chegar aos 60 e há fortes chances de ele "sexagenar" com indicação ao Oscar, a depender da torcida organizada em torno de seu desempenho em "Jay Kelly", que encerrará a Mostra de São Paulo nesta quinta (30). Sua projeção no evento será só para convidados, após a premiação das seleções competitivas, mas sua estreia tem data e local: dia 5 de dezembro, na Netflix.

É uma direção inspirada de Noah Baumbach (de "História de um Casamento"), com George Clooney no papel central, mas quem atrai todos os holofotes para si é o comediante de maior sucesso do audiovisual (em tela grande) dos EUA, do fim dos anos 1990 para cá, quando virou rei no streaming. Basta ver a mobilização que ele alcançou em julho passado, com "Um Maluco no Golfe 2".

Na gênese de uma carreira encarada como modelo pela comédia americana, com a média de bilheteria de US$ 100 milhões por cada filme que lançou de 1998 a 2011, Sandler foi Happy Gilmore, um atleta dos tacos consagrado nos gramados em polvorosa do filme "Um Maluco no Golfe", de 1996. À época, ele era um ás do humor egresso dos palcos e da TV que ansiava por um lugar de destaque no cinema.

O longa-metragem pavimentou sua relação com os exibidores que se renderam à sua estética galhofeira, de vez, com o fenômeno "O Rei da Água", de 1998, que custou US$ 23 milhões e arrecadou US$ 186 milhões. Ali seu império começou. Desde então, ele se pôs à prova muitas vezes, em dramas ("Reine Sobre Mim"), no thriller "Joias Brutas" (sua obra-prima) e nas animações "Hotel Transilvânia". Arriscar-se, contudo, não significa esquecer as fórmulas que fizeram dele uma grife... hoje em renovação.

Celebrizado no Brasil com a voz de Alexandre Moreno, Sandler transborda inquietude em "Jay Kelly", num papel que traduz as vicissitudes morais do cinemão: o empresário Ron Sukenick. Há tempos, ele é o pilar profissional do astro Jay (papel de Clooney), uma celebridade invejada em Hollywood. Quando Jay embarca em uma jornada de autodescoberta, encarando seu passado e seu presente, numa viagem pela Itália, Ron precisa tentar conter sua estrela. Precisa ainda dar conta seus fantasmas, incluindo o amor que nutre pela assessoria de imprensa vivida por Laura Dern, numa relação que nunca se firmou.

Baumbach dirigiu Sandler antes no impagável "Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe" (2017), indicado à Palma de Ouro de Cannes, e hoje presente na Netflix. Na Croisette, durante sua exibição, Sandler brilhou, pois, lá, ele é divo. Um divo de respeito. Não tem esse status só lá. Em 2024, o periódico que mais investe em enquetes, a "IndieWire", liberou em seu site oficial uma seleção dos melhores filmes da primeira década do século XXI, os anos 2000. Assumiu "AI - Inteligência Artificial" (2001), de Steven Spielberg, como seu número 1. Grandes sucessos de público e quindins da crítica lançados até 2009 foram incluídos pelos votantes, como a trilogia "O Senhor dos Anéis" e o .doc brasileiro "Jogo de Cena" (2007), de Eduardo Coutinho (1933-2014). Curiosamente, o aspecto que mais chamou a atenção do público leitor não foi a diversidade de cineastas lembrados (Claire Denis, Agnès Varda, Spike Lee, Hayao Miyazaki, Sofia Coppola, Lars von Trier, Lucrecia Martel, Ang Lee, Christopher Nolan) mas, sim, a escolha de um ator, muitas vezes associado a uma ideia de mediocridade estética, como um dos destaques das narrativas contemporâneas: Sandler. Ele aparece na apuração representado por "Embriagado de Amor", de Paul Thomas Anderson (Prêmio de Melhor Direção justamente em Cannes, em 2002), e em "Tá Rindo Do Quê?", de Judd Apatow (de 2009).

Essa dupla escolha reflete o reposicionamento de uma das estrelas mais populares do planeta em atividade, que brilhou na festa do Oscar, no dia 2 de março, ao aparecer de moletom em meio a um mar de engravatados, tirando sarro do cinemão com o apresentador da cerimônia, Conan O'Brien. Há pouco tempo, ele carregou a mão no deboche em "Adam Sandler: Love You", hoje na Netflix. É uma versão para as telas de seu espetáculo stand-up, no qual ele canta e faz piada com seu jeitão muito peculiar de atuar. Jeitão esse que vem arrebatando elogios (um pouco como aconteceu com Jerry Lewis na virada dos anos 1950 para a década de 1960), ocupando novos e consagradores espaços. Um dos indícios de que ele virou cult foi a inclusão de seu longa anterior, a sci-fi "O Astronauta" ("Spaceman") no Festival de Berlim.

Em breve, Sandler será visto na nova trama dos irmãos Josh e Benny Safdie, diretores responsáveis por seu trabalho mais badalado nos últimos 20 anos: "Joias Brutas", também mencionado acima. Tudo o que tem pela frente tem potencial de ampliar a audiência da Netflix. Na segunda metade da década da passada, ele fez daquele streaming sua base de operações, ciente de que as cifras de suas fitas, em circuito, corriam o risco de baixar. O regresso de Gilmore, em "Um Maluco No Golfe 2" é uma forma de relembrar os passos que deu antes do estrelato e dar um recado à caretice das patrulhas ideológicas que ceifaram o espaço do humor, sob o garrote da correção política. Largar o osso da graça é algo que Sandler não vai fazer... para a nossa alegria e, possivelmente, da Academia de Hollywood que, com "Jay Kelly", pode indica-lo à estatueta dourada de Melhor Coadjuvante. O aplauso da Mostra, esta noite, será dele.