Na jugular da hipocrisia
'Drácula', novo filme do badalado realizador romeno Radu Jude, firma-se como cult nas telas de São Paulo, com sua ironia fina
'Drácula', novo filme do badalado realizador romeno Radu Jude, firma-se como cult nas telas de São Paulo, com sua ironia fina
Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, cria da mente imparável de Chico Anysio (1931-2012), há de ter algum parentesco com o bebedor de sangue do "Drácula", do romeno Radu Jude, que leva o Brasil, em suas veias. Revelado na competição pelo Leopardo de Ouro de 2025 do Festival de Locarno (Suíça), em agosto, o longa mesmerizou plateias na Mostra de São Paulo, onde estreou na sexta (24) e onde terá nova projeção nesta quinta.
Sua sessão, às 20h10, no Multiplex Playarte Marabá, é uma das últimas projeções do evento, que se encerra esta noite. Vai ter um filão de gente para conferir a releitura mucho loca que a Romênia faz de seu maior patrimônio folclórico. Afinal, antes de virar livro, em 1897, nas mãos do dublinense Bram Stoker (1847-1912), Vlad Tepes Draculea (1431-1476), o Empalador, viveu neste mundo e, segundo os livros de História, matou gente a rodo, à frente do Principado da Valáquia, ali ao norte do Baixo Danúbio e ao sul dos Cárpatos Meridionais. Esperam-se imagens documentais, sátira política, espinafradas na União Europeia e (talvez) terror dessa nova visão sobre sua lenda, que tem a RT Features, do carioca Rodrigo Teixeira, entre seus produtores.
Jude brilhou faz pouco na Mostra com "Não Espere Muito Do Fim Do Mundo" ("Nu Astepta Prea Mult De La Sfârsitul Lumii", 2023), comédia que saiu de Locarno com o Prêmio do Júri e hoje na grade da MUBI. O diretor passa por lá - ou por qualquer outro evento - cheio de moral, amparado no impacto que causou, em meio à pandemia, com "Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental" ("Bad Luck Banging or Loony Porn"), que lhe rendeu o Urso de Ouro em 2021.
"A poesia que pode existir no cinema que eu faço vem do choque entre a ficção e o documentário, numa espécie de retorno aos irmãos Lumière (os inventores da linguagem cinematográfica, inaugurada por eles em 1895). Rodei 'Kontinental '25' com um smartphone e me pergunto o que os Lumière filmariam se tivessem um celular", disse Jude ao Correio da Manhã na Berlinale.
Neste ano de alta para o terror na telona, Jude não aposta no assombro. Prefere o deboche. Em seu "Drácula", ele acompanha o empenho de Vlad para ser grandioso novamente, em sua Romênia natal. "Godard dizia que assistia a partidas de futebol porque era a única transmissão audiovisual na qual ele poderia ver pessoas trabalhando por 90 minutos sem parar. Ver um jogo é ver trabalho. Gosto de mostrar pessoas ativas em suas rotinas laborais, pois elas revelam nosso dia a dia", disse Jude ao Correio, num recente Zoom.